Jornal Correio Braziliense

Cidades

Motoristas na mira de bandidos

A cada dois dias e meio, um condutor desse tipo de serviço é assaltado no Distrito Federal. No último fim de semana, criminosos mataram dois profissionais. O enterro de um deles ocorreu ontem no Cemitério de Taguatinga


Os assaltos que resultaram na morte de dois motoristas de transporte por aplicativo no último fim de semana reforçaram o medo e a insegurança desses profissionais no Distrito Federal. Henrique Fabiano Dias, 25 anos, e Tiego Cavalcante, 28, foram vítimas de latrocínio enquanto trabalhavam ; ontem, Henrique foi enterrado no Cemitério de Taguatinga (leia reportagem ao lado). Dados da Polícia Civil, divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), mostram o aumento no número de roubos com restrição à liberdade que têm como vítima condutores do sistema de transporte por aplicativo. Segundo a pasta, entre janeiro e junho deste ano, ocorreram 71 casos desse tipo, uma média de um a cada dois dias e meio. No mesmo período do ano passado, houve 14 registros, ou seja, 57 a menos.

A SSP estuda o fenômeno e busca diálogo com a Uber e as demais empresas especializadas em transporte por aplicativos. A avaliação do governo é de que é preciso relativizar os dados antes de entender o que vem ocorrendo na capital federal. O número de motoristas e de passageiros tem crescido; por isso, a comparação crua do crescimento desse tipo de crime com outros anos pode levar a conclusões equivocadas.

Além disso, de acordo com a pasta, houve uma mudança importante na cobrança do serviço. Nos primeiros anos de funcionamento, todos os pagamentos ocorriam apenas por meio de cartão de crédito pelo aplicativo. Nova regulamentação permitiu a circulação de dinheiro entre passageiro e motorista, o que pode ter incentivado os criminosos a agirem com mais frequência. Para elaborar uma política de segurança que coíba esses crimes, será preciso analisar detalhadamente o cenário. Segundo especialistas da SSP, o trabalho precisa ser realizado em conjunto com as companhias até para que sejam adotadas novas regras de segurança.

A partir dos dados da Polícia Civil, identificou-se, ainda, os locais mais visados pelos bandidos. Samambaia aparece em primeiro lugar entre as regiões com maior incidência dos roubos com restrição à liberdade dos motoristas de aplicativos, com 32 ocorrências nos seis primeiros meses do ano. Em seguida, vêm Ceilândia, com 8; Taguatinga, com 6; e Gama, com 5 (veja Vulneráveis).

André Luiz Ferreira, 36 anos, decidiu dirigir para uma empresa de transporte por aplicativo há oito meses, depois que o trabalho como administrador de pousada não deu certo. Ele toma algumas precauções para evitar ser assaltado. ;Não atendo clientes que preferem pagar com dinheiro. Quando me aproximo do passageiro e vejo que ele vai efetuar o pagamento em cédulas, cancelo a corrida;, explicou. Para ele, esse é um método capaz de combater possíveis ataques de criminosos. ;Uma vez, recebi a mensagem de um cliente perguntando se eu tinha troco para R$ 100. Na minha cabeça, ele queria saber se eu estava com dinheiro em mãos para me assaltar;, relatou.

O motorista não tem preferência de regiões para transportar os passageiros. ;Instalei no carro um rastreador. O meu irmão monitora pelo celular dele. É uma medida de segurança a mais;, ressaltou. Ele sugere que, para melhorar a segurança nesse tipo de trabalho, as empresas dos aplicativos deem a opção para os condutores aceitarem ou não a forma de pagamento escolhida pelos clientes.

Karina Luasses, 30, é motorista de transporte por aplicativo há um ano e meio. Ela também administra um grupo de WhatsApp de condutores da Uber e da 99 Pop. ;Criei na intenção de ajudar o próximo. A ideia é nos comunicarmos em tempo real uns com os outros para, caso alguém esteja em apuros, ajudarmos;, avaliou. Karina trabalha até as 3h. Segundo ela, uma das queixas em relação à segurança dos condutores é a falta de policiamento. ;Geralmente, busco clientes em eventos e festas, mas noto que a ronda policial não é tão ostensiva. É algo que me preocupa, até pelo fato de ser mulher;, argumentou.

Para se prevenir, a condutora circula em um Mobi branco, todo enfeitado. No interior do veículo, há luzes coloridas e enfeites, como se fosse uma balada. ;É um meio que tenho para chamar a atenção. Então, onde passo todos reparam, e não fico despercebida;, contou.

Situações de risco

Em nota oficial, a 99 Pop informou que acompanha os casos e lamenta o aumento da violência cometida contras os motoristas vinculados à empresa. Em relação ao caso de Tiego, uma equipe foi mobilizada para conferir a ocorrência, além de buscar contato com familiares para prestar o apoio necessário. A 99 acrescentou que a morte do motorista Henrique não ocorreu durante uma corrida da plataforma.

A 99 Pop esclareceu que, durante as corridas, o motorista pode acionar o kit de segurança, que compartilha a rota em tempo real. ;Para depois das viagens, a empresa tem uma central telefônica de emergência 24h, sete dias por semana, que responde prontamente em caso de necessidade. Antes das chamadas, os motoristas também recebem informações sobre o destino, a nota do cliente e se ele é frequente, além de o app pedir ao passageiro que inclua CPF ou cartão de crédito antes da primeira corrida;, informou a nota (leia Cuidados).

A Uber também lamentou os latrocínios e permanece à disposição para colaborar com as investigações. A empresa acrescentou que passou a adotar no Brasil o recurso de machine learning, que usa a tecnologia para bloquear viagens arriscadas. ;Lançamos também outro recurso de segurança para os motoristas parceiros, inclusive um botão para ligar para a polícia em situações de risco ou emergência diretamente do app;, detalhou, em nota.

A Polícia Militar orienta os motoristas que utilizem apenas o aplicativo para se comunicar com o passageiro. Segundo a corporação, é preciso observar a avaliação do usuário no aplicativo. Por fim, alerta que evitem estacionar ou parar por muito tempo em locais ermos.

Colaboraram Thaís Umbelino* e Bruna Lima

*Estagiárias sob supervisão de Guilherme Goulart

Cuidados

Confira as medidas de segurança oferecidas aos motoristas de transporte por aplicativo:
  • Ao receber chamadas, confira informações básicas, como destino, nota do passageiro e frequência
  • Os motoristas têm a opção de aceitar ou não pagamentos em dinheiro
  • É possível se inscrever em cursos presenciais com orientações sobre segurança
  • O sistema bloqueia chamadas de risco e mapeia zonas perigosas, alertando o condutor
  • É possível acionar um kit de segurança que compartilha a rota em tempo real

Fonte: 99 Pop


Protesto antes de enterro

Familiares e amigos se despediram ontem de Henrique Fabiano Dias. O velório começou às 13h30, na Capela 5 do Cemitério de Taguatinga. O enterro foi às 16h. O jovem era o mais velho de três filhos. Amiga da família há mais de 27 anos, Cláudia Fernandes, 38, conta que os parentes estão desolados. ;Ele era muito trabalhador, por isso o via poucas vezes em casa. Quando ele comprou o carro, foi conversar comigo, porque eu também tinha feito uma compra recente de automóvel. Ele era bem orientado e tenho certeza de que nunca reagiria a um assalto. Ao sabermos do desaparecimento dele, eu pensei o pior;, contou.

Antes do enterro, cerca de mil motoristas de aplicativos foram às ruas para participar de uma carreata em protesto e solidariedade aos familiares do condutor assassinado. O ato começou às 10h e terminou por volta das 18h. Os motoristas se concentraram, inicialmente, na QN 202 de Samambaia. Depois, seguiram para Taguatinga, próximo ao Cemitério, onde o corpo de Henrique estava sendo velado.

;O que nos motivou foi a indignação. A categoria se sentiu insegura com tanta morte. Temos de mostrar para as autoridades que precisamos de apoio e de medidas que nos beneficiem. Não podemos trabalhar sem o mínimo de segurança. Alguns métodos podem ser adotados. Por exemplo, um indivíduo rouba uma pessoa e chama o aplicativo. Não há restrição e nem fiscalização para isso;, pontuou Lucas Douglas de Freitas, um dos idealizadores da carreata.

Mortes

Henrique Fabiano Dias foi encontrado morto, com sinais de estrangulamento, na madrugada de domingo, às margens de uma rua no SIA. A PM conseguiu localizar os envolvidos no assassinato. Cinco adolescentes, entre 14 e 17 anos, estavam no carro da vítima, no Guará, quando foram avistados por uma equipe da Rotam. Os jovens tentaram fugir, mas foram cercados. Três dos suspeitos confessaram participação na morte por estrangulamento.

Outro assassinato de um motorista por aplicativo marcou o DF. Na noite de sexta-feira, Tiego Cavalcante foi encontrado morto em uma estrada de chão em Samambaia. Policiais encontraram o carro da vítima abandonado em um estacionamento próximo à feira permanente, na Quadra 202 de Samambaia Norte.

Segundo o delegado da 32; Delegacia de Polícia (Samambaia Sul), Pedro de Moraes, dois suspeitos, de 20 e 33 anos, estão sendo investigados por suposto envolvimento na morte de Tiego. ;Eles foram encontrados com o carro da vítima no dia seguinte, por volta das 20h, na Quadra 201 da região. Estavam embriagados. Um estava na direção e o outro empurrando o carro;, detalhou.