Em abril, o Executivo enviou à Câmara Legislativa o projeto de lei para criar a região administrativa do Sol Nascente e Pôr do Sol. Em agosto, 21 distritais assinaram a proposta, e a cidade deixou de fazer parte da jurisdição de Ceilândia. No mesmo mês, os parlamentares deram sinal verde para que a Arniqueira fosse desmembrada de Águas Claras. A medida foi sancionada no início de outubro, e o lugar se tornou a 33; região administrativa da capital.
Apesar da criação das RAs, o governo não apresentou cronograma para inauguração das administrações. Tampouco foram divulgados valores a serem investidos, quantidade de efetivos e custos mensais para manter as entidades. Além disso, não há dados sobre os terrenos onde as estruturas serão erguidas ou de onde virá o orçamento. Na sexta-feira, o Correio entrou em contato com a Subsecretaria de Divulgação do Palácio do Buriti e solicitou essas informações. Entretanto, até o fechamento desta edição, o órgão não emitiu resposta.
Vulnerabilidade
Com 85 mil moradores, a região administrativa Sol Nascente e Pôr do Sol é uma das localidades mais carentes do Distrito Federal. Apesar de a cidade ter ganhado algumas obras de infraestrutura no ano passado, a maioria das ruas não tem asfalto ou tratamento de esgoto. À sombra da violência, os comércios são gradeados, e poucos moradores se arriscam nas ruas durante a noite. Não há transporte público, unidades de saúde e escolas.
Muitas pessoas encontraram no Sol Nascente e no Pôr do Sol uma oportunidade para comprar lotes baratos e deixar o aluguel. A cabeleireira Nalva Azevedo, 41 anos, morou em Ceilândia por 20 anos e há 7 comprou um terreno na região administrativa. Ali ela decidiu abrir o próprio salão de beleza, mas ele funciona com as grades fechadas. ;Aqui, é perigoso e tem muitos assaltos. Acontece a qualquer hora do dia, pode ser às 12h, às 15h ou à noite, sempre tem relatos sobre isso;, lamenta.
De acordo com a cabeleireira, além da violência, a falta de infraestrutura dificulta a vida dos moradores. ;Quando o tempo está seco, vivemos na poeira. Se começa a chover, a lama toma conta. Os garis passam aqui para limpar, porém, a água traz o lixo todo de volta para nossa porta;, conta. Apesar das reclamações, a mulher ressalta que a criação da administração traz expectativa de melhoras para a cidade. ;Gostaria de me tornar administradora. Com isso, poderia colocar a mão na massa para resolver os nossos problemas;, frisou.
Desempregada, Luziane Pereira da Luz, 32, chegou do Amapá há quatro meses para morar com a mãe na região administrativa do Sol Nascente e Pôr do Sol. ;Morava em um bairro parecido com esse, cheio de violência. Acho que toda favela é assim;, comentou. Para ela, a cidade está desorganizada e falta investimento. ;Tenho que subir uma ladeira para pegar o ônibus e levar minhas filhas para a escola. Tem lugares que a condução não entra por medo de assalto;, relata. Mesmo nova na cidade, Luziane se animou com a notícia da criação da RA. ;A tendência é melhorar. Nós que vivemos aqui temos o papel de cobrar, é a nossa casa.;
Parcelamento irregular
Arniqueira apresenta melhor estrutura que Sol Nascente e Pôr do Sol. As ruas são pavimentadas, e há intensa atividade comercial. A cidade tem 45 mil habitantes, mas muitos ainda precisam contar com serviços públicos disponibilizados em Águas Claras e Taguatinga. Um dos maiores problemas é o parcelamento irregular de terra. Pesquisa da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) mostra que 83% das residências estão em situação irregular.
O mecânico Gilvan Pereira da Silva, 60, e a esposa Marineise da Conceição Santos, 52, perderam duas casas por falta de regularização. Agora, o casal vive de aluguel e montou uma loja. ;Com a administração regional, espero que as coisas melhorem. Acredito que o governador vá disponibilizar lotes para a gente e acertar a situação das residências sem documentação;, espera Gilvan.
Marineise prevê a valorização dos imóveis e do comércio. ;Temos muitas áreas baldias, onde as pessoas despejam lixo. Isso precariza nossa cidade;, diz. A mulher ressalta que outra demanda urgente é segurança pública. ;Tenho um ateliê de roupas, e ele foi roubado há um mês. Precisamos de uma delegacia próxima, para não precisarmos ir a Taguatinga procurar apoio.;
O repositor Francisco das Chagas, 55 anos, mora em Arniqueira há uma década. De acordo com ele, a cidade cresceu muito, e o governo fez certo em torná-la uma região administrativa, entretanto, agora precisará investir. ;O trânsito daqui fica completamente congestionado nos horários de pico. Não temos ciclovias, e, a cada ano que passa, mais pessoas vêm morar aqui. Espero que, com a administração, possamos cobrar mais e ter respostas;, afirma.
Prioridades
Especialista em administração pública e governo da Universidade de Brasília (UnB), Caio César Medeiros Costa ressalta que a criação das regiões administrativas é importante para aproximar o cidadão do poder público. Essas novas entidades, entretanto, não podem ser apenas figurativas. ;A medida permite levar políticas públicas específicas para aquelas cidades. Porém, os administradores não podem se tornar alguém que leva e traz recados. O governo precisa demonstrar prioridades para esses locais e fazer investimentos;, salienta.
Para o estudioso, os administradores devem ter um perfil que consiga manter o debate com o governador. ;Cada região tem a própria especificidade e, com as administrações, a comunidade ganha voz e se torna presente na alocação de recursos e investimentos do governo;, explica.
Memória
Arniqueira
Em 2002, foi reconhecida como setor habitacional. Inicialmente, era uma região de chácaras que se expandiu. A maior parte dela estava situada em Taguatinga. Mais de 80% das residências da localidade foram construídas de forma irregular. A história da cidade é marcada por operações policiais de combate à grilagem de terras, que perderam força ao longo do tempo.
Sol Nascente e Pôr do Sol
Em 1990, a procura por moradia barata fez com que essas invasões se formassem próximo à Ceilândia. Grileiros se aproveitaram da situação, e, aliado à falta de fiscalização, as localidades passaram a ser ocupadas. Em 2008, as ocupações foram reconhecidas como setores habitacionais.