As duas cenas ocorreram no metrô de Brasília. Na primeira, dois rapazes se olham apaixonadamente dentro do vagão, um deles desembarca e é acompanhado pelo outro. Eles se despedem com um beijo. Mas, a julgar pelo comportamento de tantas pessoas dentro do carro, parecia que ambos praticavam atos libidinosos. Olhares atravessados, meneio de cabeça em negação, incredulidade. Na segunda, em uma estação, os dois rapazes caminham sorrindo, lado a lado, e um deles repousa a cabeça sobre o ombro do outro, antes de se beijarem. Quem vem em sentido oposto parece ver duas aberrações. As mesmas imagens em Nova York, em Paris ou em Londres seriam percebidas como algo normal ou mesmo ignoradas por se tratarem de tema do cotidiano.
Brasília é uma cidade cosmopolita, ao contrário de Goiânia, onde nasci e cresci, que ainda tem fortes raízes interioranas e conservadoras. Na capital de JK, povos de diversas partes do Brasil correm atrás de seus sonhos, compartilham suas angústias e buscam respirar liberdade, tão ampla quanto a vastidão do cerrado. Por tudo isso, Brasília deveria ter a tolerância e o respeito como características fundamentais. Afinal de contas, que direito uma pessoa tem de impor uma forma de amar a outro cidadão? De que modo se julga no direito de decretar como o outro deve buscar ser feliz? Por que a sexualidade alheia ainda incomoda tanto?
Deveríamos nos envergonhar do caos na saúde pública. De histórias de mães que esperam horas pelo atendimento do filho nos hospitais ou de pacientes que morrem à míngua sem socorro. Da miséria e da prostituição às portas do Palácio do Planalto. Da brutal desigualdade socioeconômica entre o Plano Piloto e o Sol Nascente, em Ceilândia, onde 56 mil pessoas vivem em condições quase que insuportáveis e apenas 6,2% das casas recebem tratamento de esgoto. Deveríamos nos preocupar com tantas mazelas que corroem a sociedade, entre elas, a insegurança e o feminicídio. Cenas como as descritas no início deste texto não deveriam perturbar ninguém. Afinal de contas, por que o amor incomoda tanto, quando o desamor, o ódio e a desatenção social poluem corações e mentes em nossa cidade?