O levantamento apontou que no Brasil inteiro há um problema seríssimo para que as pessoas consigam caminhar pela cidade. Nenhuma capital conseguiu a nota oito, esperada como o que seria o mínimo ideal. A cidade com a melhor nota foi São Paulo. Brasília conseguiu ficar em 7; lugar, com a nota 6,5. Os avaliadores observaram que por aqui o problema não está no plano urbanístico da cidade, que prevê bons caminhos para os pedestres e sim, na verdade, nos carros que invadiram onde deveriam andar as pessoas.
Além disso, a falta de sinalização em alguns pontos e de rampas pesaram na baixa nota recebida. Mércia Caroline Lima, 25 anos, sabe bem o que é isso. Cadeirante, ela precisa de calçadas lineares para se locomover com facilidade, mas esbarra em várias barreiras para conseguir fazer seu caminho, como ir a faculdade. ;É preciso melhorar muito. Em alguns lugares tenho dificuldade de me locomover;, explica. ;É preciso melhorar as calçadas, ter mais rampas de acesso e mais estacionamentos exclusivos para cadeirantes;, completa.
O desafio de caminhar em Brasília
De acordo com Uirá Lourenço, ambientalista e fundador do site Brasília para pessoas, que ajudou na pesquisa em Brasília, existem vários problemas presentes. "Muitas vezes a calçada não existe, ou ela é boa, mas não está concluída ou às vezes a calçada é boa mas não tem rampa de acesso ou piso tátil Outro problema é a falta de iluminação;, explica.
[colocar galeria de fotos - calçadas de Brasília]
A arquiteta Marilene Menezes destaca como o plano urbanístico de Brasília prevê uma via exclusiva para pedestres, e ao contrário do que muita gente pensa a cidade não foi construída para os automóveis. ;Tem vias para os carros, asfaltadas, e tem a dos pedestres, que são separadas e independentes. É a única cidade do Brasil que tem essa peculiaridade. Nas quadras 100 e 300 da Asa Sul as calçadas existem, com problemas de manutenção, eu mesmo já tropecei por lá, mas elas estão lá. Agora na Asa Norte, existem muitas quadras, como as 400 e 600 que não estão contornadas por esse quadrilátero;, ressalta.
Para ela, ainda não há uma consciência da importância dessa infraestrutura. ;Essas calçadas deveriam ser lei. Não existe cidade sem gente. Pode ter sem carro. Brasília ainda recebe muitos visitantes. Às vezes o turista sai arrastando a maleta e não sabe o caminho que seguir e fica achando que a cidade é maluca;, diz. ;O que falta é essa consciência de respeitar o desenho da cidade;, completa.
Trechos ruins
Na avaliação feita pelo estudo, lugares como o Setor Comercial Sul e Setor Bancário Sul ficaram com as piores avaliações. ;Considerando outras capitais não é tão ruim, mas Brasília está abaixo do mínimo satisfatório. As avaliações nos locais demonstraram isso. Falta muito para a gente ter uma uma cidade acessível;, diz Uirá. ;Ali perto do estádio tem uma calçada nova, boa, mas com alguns trechos não concluídos. Se for um cadeirante não consegue passar por ali, porque a calçada tem alguns trechos que simplesmente não existem;, completa o pesquisador.
Ele explica ainda que, por exemplo, as passagens subterrâneas que deveriam servir para as pessoas atravessarem o Eixo com segurança, estão com piso ruim, sujeira e escuridão. ;Eu poderia dizer que a gente tem, em geral, calçadas ruins com alguns refúgios de acessibilidade;, diz. Como bons exemplos, ele destaca algumas quadras residenciais e em volta do Espaço Cultural Renato Russo.
Para resolver os problemas, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) está em elaboração o Plano de Mobilidade Ativa (PMA) que se baseia em estudos sobre a importância de se planejar as temáticas de mobilidade a pé e ciclomobilidade de maneira conjunta e complementar ao transporte público. A Secretaria explicou que dessa forma será possível identificar quais são as rotas utilizadas que deverão ser prioritárias nas intervenções urbanas. ;Dentre as ações previstas no PMA estão a execução de serviços de qualificação das calçadas em diversos pontos do DF, bem como a execução dos projetos de rotas acessíveis aos serviços públicos, como hospitais e escolas;, explicou em nota.
Mas o que se é esperado?
Uirá explica que uma calçada boa é formada por uma travessia segura, rampas e iluminação. Para melhorar a situação, ele destaca alguns pontos que deveriam ser investidos. ;Por exemplo, redução do limite de velocidade, que é uma coisa que praticamente não se fala aqui em Brasília. E é uma tendência moderna, que se tem de planejar cidade para as pessoas e não para os automóveis;, destaca.
Na dissertação de mestrado de Marilene Menezes pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), defendida em 2010, ela já falava sobre a dificuldade que é andar a pé por aqui. No estudo, ela identificou que os problemas mais comuns são calçadas incompletas, danificadas, que não se conectam com outras, principalmente por invasões de área pública e diferenças de nível no piso. Muitas vezes o pedestre é obrigado a passar por áreas verdes e pelo asfalto.
A pesquisadora ressalta que um bom caminho para pedestres tem que seguir alguns padrões, como ser linear, contínua e plana. Brasília, para ela, tem tudo para sair na frente nesses quesitos. ;A cidade foi criada para ser amistosa para o pedestre e as pessoas não veem isso, porque não andam a pé. É só observar que podemos atravessar toda a cidade no sentido transversal com continuidade. De carro é preciso fazer várias voltas. E ainda com as árvores sombreando as calçadas;, elenca. ;Cidades caminháveis, são cidades com muito mais qualidade de vida. A gente tem exemplo disso das capitais europeias;, completa Uirá.