O primeiro dia do julgamento, que deve terminar na sexta-feira, teve atrasos e mudanças no cronograma. Quatro testemunhas estavam programadas para serem ouvidas, todas de acusação. No entanto, a fase de depoimentos começou com quase duas horas de atraso, assim como a abertura da sessão, programada para as 9h, mas só teve início às 11h.
Centenas de pessoas preencheram as cadeiras do auditório do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). O público, composto de familiares dos envolvidos, estudantes de direito, jornalistas e população em geral, acompanhou a sessão desta segunda-feira (23/9) seguindo à risca os ritos orientados pelo juiz Paulo Rogério Santos Giordano.
Mesmo em momentos que chamaram a atenção, como o depoimento de acusação de que uma vidente teria sido usada nas investigações iniciais da Polícia Civil, não houve reações claras dos jurados ou da plateia. Adriana também manteve a postura tranquila, realizando muitas anotações e demonstrando poucas manifestações corporais. Expressões foram vistas em raras ocasiões, como um sorriso irônico quando a acusação lembrou do relato de que ela teria destruído um apartamento dado pelo pai porque não gostou da decoração.
A expectativa é de que, em cinco dias de julgamento, 39 pessoas sejam ouvidas: 17 de acusação e 22 de defesa. A orientação para as testemunhas a serem ouvidas é de que não conversem sobre o caso. Elas também não tiveram permissão para acompanhar a primeira sessão.
Interrogatório
A única a depor nesta segunda-feira (23/9) foi a delegada aposentada Mabel Alves de Faria Corrêa. À época das investigações, ela fazia parte da Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida), divisão da Polícia Civil que trabalhava em casos de homicídios sem solução, semelhante ao trabalho que a Coordenação de Repressão a Homicídios e de Proteção à Pessoa (CHPP) faz atualmente. ;Nunca tinha me deparado com uma investigação tão ruim;, disse Mabel ao júri. Ela relatou que passou a participar das diligências do caso e encontrou diversas inconsistências na apuração da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul), chefiada pela então delegada Martha Vargas, condenada a 16 anos de prisão por falhas na investigação do caso ; a ex-policial cumpre pena em casa, com uso de tornozeleira eletrônica.
Dias após ter assumido o caso, a delegada aposentada descobriu que Martha prendeu três suspeitos do crime, dizendo tê-los encontrado com auxílio de uma paranormal. ;Essa vidente participou ativamente dessa investigação;, reforçou. Segundo Mabel, a apuração e as provas apresentadas por Martha eram inconsistentes. Ela lembrou, ainda, aspectos da investigação, como a ida a Montalvânia (MG), onde foi preso Leonardo Campos Alves, ex-porteiro do prédio onde morava o casal Villela.
A detenção foi realizada pela 8; Delegacia de Polícia (SIA), unidade que não conduzia as investigações. ;Os agentes de lá teriam torturado o Leonardo, mostrado fotos dos filhos dele, dizendo que fariam mal a eles e inclusive sequestraram uma filha. Depois desse sequestro, o Leonardo confessou o latrocínio;, alegou. Segundo Mabel, a Corvida precisou fazer um trabalho de convencimento, garantindo a segurança da família. ;Só a partir daí que o Leonardo disse que não era latrocínio, mas um homicídio a mando da Adriana;, completou.
Além disso, Mabel ressaltou a relação conflituosa entre Adriana e a mãe. Segundo a policial, a filha recebia uma mesada de R$ 8,5 mil, o que, segundo relatos de testemunhas à época do crime, a ré considerava um valor baixo. Isso, por vezes, gerava ações violentas contra os pais. A delegada aposentada acrescentou que duas sobrinhas de Francisca, empregada da casa e vítima do triplo homicídio, afirmaram à Corvida que chegaram a ver um tapa dado por Adriana na mãe. ;Elas (sobrinhas) queriam que a Francisca se aposentasse, mas a funcionária teria dito que não queria, em função da fragilidade da situação vivida na casa;, revelou. O relato da delegada encerrou o primeiro dia de julgamento às 21h21, após nove horas de depoimento.
Posicionamentos
Para a promotoria, não há dúvidas a respeito da culpa da arquiteta. ;As vítimas foram amarradas e ficaram à disposição de alguém. Ela foi a mandante do crime, motivado por atritos financeiros;, reforçou o procurador de Justiça Maurício Miranda. As impressões digitais e palmares, além da confissão dos outros três envolvidos e depoimentos, são as provas da participação de Adriana, segundo ele.
A promotoria inquiriu a testemunha Mabel de Faria a respeito da interceptação do celular de Adriana ; o álibi da arquiteta é que ela participava de um curso no momento do triplo homicídio, em 28 de agosto de 2009. No entanto, torres de telefonia indicaram a localização dela nas proximidades do apartamento minutos antes do crime.
A defesa, no entanto, repetiu o argumento de que há uma linha do tempo consistente e provas da inocência da ré. ;Não há um único indício da participação dela, e o que ajuda na defesa da Adriana é a inocência dela. Nós vamos provar;, argumentou o advogado da acusada, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. ;Essa é a investigação mais atabalhoada de Brasília. A primeira delegada está presa, de tanto erro que fez. Ela (Mabel) investigou um ano sem ter ouvido o Leonardo e, depois, foi surpreendida com a prisão. Esse depoimento é muito bom para a defesa, e nós vamos mostrar a fragilidade dele;, garantiu. ;Penso que Adriana morreu algumas vezes durante esse processo, com a dor dos pais e com essa acusação falsa, sem nenhuma técnica. Estávamos ansiosos para fazer o júri. Espero que esse seja o começo do fim dessa tragédia;, ressaltou.
Procurado pelo Correio, Augusto Villela, irmão de Adriana, não foi encontrado. Mas defendeu a irmã em vídeo enviado pela equipe de comunicação da família. Na gravação, o advogado diz que Adriana ;é uma pessoa difícil, mas não chega a ser agressiva;. Para Augusto, Adriana não pode ser condenada por um crime que não cometeu e que ele poderia se arrepender se não viesse a público trazer seu ponto de vista. ;Não me manifestei antes porque havia uma exploração da imprensa e, para não alimentar isso de forma incontrolável, preferi não me manifestar;, completou.
Augusto avalia que a especulação em torno da acusação de Adriana é resultado de uma teoria que ;foi tão longe que, agora, não se sabe mais como voltar atrás;. Lembrou também os percalços na investigação, que terminou com uma delegada presa, várias teorias da conspiração e anos de recursos na Justiça. ;Nunca imaginei que a polícia do DF pudesse colocar a chave na casa de uma pessoa para incriminá-la;, finalizou.
Colaborou Bernardo Bittar
Memória
Prisões e condenações
O triplo homicídio ocorreu em agosto de 2009, no apartamento do casal Villela, na 113 Sul. Além de José Guilherme e Maria (foto), foi assassinada no interior do apartamento a empregada da família, Francisca Nascimento da Silva. No total, as vítimas levaram 73 facadas. Em outubro de 2010, o juiz do Tribunal do Júri de Brasília acatou a denúncia do Ministério Público, na qual quatro réus foram denunciados: Adriana Villela, filha do casal e acusada de ser a mandante do crime; Leonardo Alves, ex-porteiro do bloco onde ocorreu o triplo assassinato; Paulo Cardoso Santana, sobrinho de Leonardo; e Francisco Mairlon Barros Aguiar, comparsa de Leonardo e Paulo. Os três últimos foram condenados. Segundo a acusação, Adriana teria premeditado a morte dos pais motivada por interesses financeiros.
Como funciona
Entenda a ordem do julgamento
- Primeiro, são ouvidas as testemunhas de acusação. No total, há 17
- Depois, é a vez das testemunhas de defesa: 22 se manifestarão
- Em seguida, ouve-se a ré, Adriana Villela
- Começa o debate entre o Ministério Público e os advogados de defesa de Adriana
- Por fim, o Conselho de Sentença, formado pelos jurados, se reúne para votar e dar a decisão deles. Em seguida, o juiz formaliza a sentença