Bernardo Bittar, Walder Galvão, Alan Rios
postado em 24/09/2019 06:00
Acusada de triplo assassinato, Adriana Villela chegou ao Tribunal do Júri de Brasília pouco antes das 9h desta segunda-feira (23/9). O julgamento, no entanto, teve início com duas horas de atraso, às 11h. A previsão da defesa é de que a ré seja interrogada entre quarta e quinta-feira ; todo o processo deve terminar apenas na sexta-feira. Antes disso, por volta das 7h, Adriana usou uma rede social para fazer uma publicação sobre o caso. ;Começa hoje, daqui a pouco, nossa oportunidade de esclarecer quem eu sou e quem somos, eu e minha família: uma família amada;, ressaltou, no texto.
Na entrada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Adriana foi recebida por amigos que a aguardavam no acesso principal do prédio, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). ;Somos um grupo de 250 pessoas de Brasília, do Rio de Janeiro, de São Paulo e Minas Gerais que acreditamos na inocência da nossa amiga Adriana;, disse uma das pessoas, que não quis se identificar.
Antes do início da sessão, o advogado de Adriana, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, explicou que a defesa técnica pediu que o julgamento não fosse realizado com a presença de dois laudos divergentes, pois trata-se de júri popular. ;Não temos nenhuma preocupação com o júri. A nossa defesa tem começo, meio e fim;, afirmou. Segundo ele, os defensores têm convicção da inocência de Adriana. ;Conseguimos provar com trabalho técnico que ela não esteve na casa dos pais no dia do crime. Temos uma linha do tempo que é irrefutável;, adiantou.
A sessão começou com o sorteio dos sete jurados. Dos 25 convocados, 17 compareceram. A cada nome sorteado, a defesa e a acusação eram consultados. Cada lado podia recusar até três nomes. A defesa da ré recusou três, e a acusação, um. Os jurados devem ficar confinados por pelo menos cinco dias. Eles não podem voltar para casa, conversar com outras pessoas ou entrar em contato com a família. Todos ficarão nas dependências do TJDFT até ser anunciada a sentença de Adriana Villela.
O grupo recebeu cópias de peças do processo e acompanhará todas as sessões, podendo fazer perguntas intermediadas pelo juiz. No fim, o magistrado presidente fará questionamentos aos jurados sobre o crime, a autoria, a condenação ou a absolvição, a diminuição de pena, os atenuantes e as qualificadoras. Por fim, o magistrado lerá a sentença, levando em conta as considerações dos jurados e revelando o resultado.
Plateia
Além dos apoiadores, acompanharam a sessão familiares das vítimas, jornalistas e um grupo de estudantes de direito. Cerca de 20 universitários participaram da sessão desta segunda-feira (23/9), somando as participações da manhã e da tarde. Fernando Mesquita, 25 anos, faz estágio no TJDFT e foi liberado para assistir à audiência. ;Nós ganhamos as horas complementares na faculdade para participar desses eventos, mas o que me motivou mesmo foi o interesse por um caso assim, tão emblemático;, explicou.
Aluno do 9; semestre do curso de direito, ele conta, ainda, que o crime da 113 Sul é analisado em salas de aula. ;Todo mundo que atua no direito ou estuda a área acaba comentando, porque é um caso com muitas informações, muito complexo e chocante pelo fato das mortes;, detalhou. Ingrid Santos, 23, concorda: ;Eu não lembrava bem dos assassinatos, porque tinha 13 anos na época, mas fui pesquisando e tudo me chamou a atenção. Quando surgiu a oportunidade de assistir ao julgamento, eu me empolguei. É interessante ver na prática o que estudamos;.
Colaborou Buna Lima
Para saber mais
Rotina rígida para jurados
Quatro mulheres e três homens foram selecionados para o júri. Eles vão dormir em dois quartos separados por sexo, e um oficial de Justiça os monitorará no período do julgamento. Os jurados podem conversar entre si, porém não têm permissão para comentar o caso. As sessões devem durar cerca de 12 horas e estão previstas para acabar na sexta-feira. Segundo informações do TJDFT, os jurados recebem um kit de roupa de cama e banho, mas precisam levar outras peças e itens de higiene pessoal. Durante o período do julgamento, eles ficam impedidos de assistir à televisão ou acessar a internet. Assim que são sorteados, eles tiveram permissão para entrar em contato com a família e avisar sobre a situação. As refeições são feitas em um refeitório específico, dentro do TJDFT. Eles são servidos no sistema de self-service. Além disso, assim como os dormitórios, os banheiros são separados por sexo. Eles são equipados com chuveiros com água quente.
Homenagem ao avô
Em uma rede social, Carolina Villella, 34 anos, compartilhou imagem com o avô, seu companheiro de estudos, quando completou uma década como advogada, em abril deste ano. À época, a publicação ocorreu apenas quatro meses antes do assassinato de José Guilherme e de Maria Villella, em 2009. Veja:
;Hoje é dia de #tbt com sorriso de orelha a orelha de exatamente 10 anos atrás. Porque não é todo dia que você tem a sensação de dever cumprido: fazer orgulhosa a pessoa que você mais admira. Obrigada, meu ídolo, por me ensinar tanto em tão pouco tempo e continuar sendo meu grande exemplo de tudo para o resto da vida! O avô mais carinhoso, o despertador mais eficiente, o melhor companheiro de viagem, o grande criador de caminhos alternativos, o maior localizador de comidas excepcionais, o melhor decorador de ambientes (só que não, kkk), o maior conselheiro (e dono dos puxões de orelha mais eficientes também), o meu grande examinador de prova, o melhor chefe de todos (obrigada por cada chocolate e por cada uma de todas as suas gentilezas), o substituto de pai mais dedicado que eu poderia ter e, com certeza, o cara mais inteligente e com o melhor coração do mundo! Foi muita sorte mesmo ser sua neta por aqui.; #23.04.2009 #diadesaojorge #10anos #oab2009 #anjodaguarda #criadaporvóevô #amor #excepcional
Personagens do júri
Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado
Fora dos autos, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro é conhecido como Kakay. Aos 62 anos, se mantém como um dos juristas mais requisitados de Brasília. Defende Adriana Villela sem cobrar honorários, graças à amizade com o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela ; pai da acusada e vítima do crime. Kakay figura nas listas dos advogados mais poderosos do país e, todo ano, demonstra o seu prestígio no mundo jurídico, organizando uma festa com a presença de ministros, juízes, integrantes do Ministério Público, advogados e milionários.
No currículo, Kakay acumula a defesa de quase 30 ministros de Estado ; a maioria atuou no governo de Fernando Henrique Cardoso ; e de pelo menos 20 políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Kakay envolveu-se, inclusive, na defesa de três ex-presidentes: José Sarney, Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva. No processo do mensalão, foi o único advogado a obter absolvições: a dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.
Maurício Miranda, procurador de Justiça
Figura conhecida no Tribunal do Júri de Brasília, o procurador Maurício Miranda é considerado um profissional bastante rígido. O posicionamento fez com que, certa vez, uma senhora que teria o filho julgado pedisse à direção do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) que retirasse o ;promotor gordinho; do caso. Assim, o acusado teria mais chances de ficar solto. Essa história faz parte da lista de casos que Miranda gosta de lembrar. O promotor atua há mais de três décadas em tribunais do Júri, tendo ajudado a condenar muitos criminosos.
No ano passado, durante eleição para procurador-geral de Justiça do DF, Miranda esteve na disputa pela lista tríplice. Levou 70 dos 946 votos contabilizados pela instituição, o que não lhe rendeu um ingresso para a lista de indicados pelo MPDFT. Não foi a primeira vez que disputou. Ainda assim, a carreira de Miranda é tratada como ;proeminente;. O promotor esteve à frente de casos envolvendo a Máfia das Próteses, em Brasília, e defendeu a independência do Ministério Público, lembrando, em entrevista, que ;havia um tempo em que o governador interferia em tudo;, referindo-se ao período em que atuou em Goiás, em 1987.
Um dos momentos de maior repercussão foi o julgamento, em 2001, dos quatro jovens condenados por atearem fogo ao índio Galdino. Maurício Miranda assumiu o caso na última hora, quando a promotora Maria José desistiu de atuar. obtendo uma importante vitória para o Ministério Público. Na semana passada, ele foi eleito pelos colegas para o Conselho Superior do Ministério Público do DF.
Marcelo Leite Borges, promotor
Coordenador do Núcleo do Júri e de Defesa da Vida no MPDFT, o promotor Marcelo Leite Borges é tratado como experiente acusador. Demonstra impaciência com julgamentos longos e arrastados, como é o caso do assassinato na 113 Sul, que passa de uma década. Borges também participou da acusação de júris envolvendo o empresário Nenê Constantino, fundador da Gol Linhas Aéreas. Durante um dos processos envolvendo Constantino, Borges mostrou-se irritado com o fato de a defesa duvidar de informações periciais fornecidas pelo Instituto de Criminalística do DF.
Discreto, o promotor fez uma rara aparição em série de reportagens publicada pelo TJDFT sobre júri popular ; quando a sociedade decide o desfecho de casos polêmicos, e o juiz apenas faz a sustentação dos mecanismos legais em que determinado crime se enquadra. Um dos exemplos para a publicação foram audiências em que fazia a acusação. O promotor mantém uma conta ativa no Twitter, mas quase não expõe seus pensamentos e sequer usa fotos. Na maioria das vezes, apenas compartilha notícias do MPDFT ou do Flamengo, time do coração. Usa a rede social desde 2017 e tem apenas seis seguidores.