Jornal Correio Braziliense

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Crônica da Cidade

Conversa na fila da clínica

O cronista que escreve todos os dias ou quase todos os dias é, antes de tudo, um angustiado. Embora pareça distraído, permanece de radar ligado 24 horas por dia em busca de um tema que possa render uma crônica. De repente, em um átimo, pode acender uma luz. Pois bem, estava esperando o táxi em uma clínica de olhos quando indaguei a um senhor de meia-idade que horas eram. Ele respondeu direto: 9h10.

Tinha os cabelos grisalhos, um brilho intenso nos olhos e o gestual concentrado. Perguntei se estava fazendo alguma cirurgia. Foi a senha para um discurso contundente sobre a situação do sistema de saúde no país.
Não, quem fez a cirurgia foi o meu pai, de 83 anos. Pagou R$ 7 mil. Se não pagasse, ficaria cego.

; Mas por que é assim?

; Porque não interessa que exista um sistema de saúde minimamente eficiente. Pode entrar o governador que você quiser. Quando entra, precisa romper o sistema.

; Que sistema é esse de que você fala?

; O sistema dos hospitais e das clínicas particulares.

; Mas os médicos não têm direito de ganhar uma remuneração digna como qualquer outro profissional?

; Sim, claro que têm, mas não da maneira exagerada que existe. Isso só acontece porque o sistema de saúde pública não funciona. Então, todo mundo cai aqui. Quem pode pagar, fica numa boa. E quem não pode, como é que fica?

; Mas existem boas clínicas e hospitais...

; Você tem dois países dentro do Brasil, um hospital perto do outro, um que funciona e outro que não funciona.

; E por que não é possível reverter a situação?

; É muito difícil, pelo menos para a parte mais fraca. Veja bem, acabo de conversar com uma senhora de 84 anos. Ela me disse que paga R$ 3 mil por mês ao plano de saúde. Por aí, você pode avaliar a situação de quem não é rico.

; É difícil, mas é impossível mudar?

; Meu amigo, em quem você votou?