Jornal Correio Braziliense

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Cadê a faixa que estava aqui?

Reportagem do Correio percorre vias de Ceilândia e de Taguatinga e constata a falta de manutenção dos pontos em que o pedestre pode atravessar a rua em segurança. Detran informa que começou revitalização

O medo de ser atropelado ao atravessar uma rua tem sido uma constante para pedestres do Distrito Federal, principalmente quem mora em Ceilândia e Taguatinga. Reportagem do Correio percorreu as principais vias das duas cidades e constatou que as faixas de segurança estão apagadas ou extremamente sujas dificultando a percepção dos motoristas e colocando em risco a vida de quem tenta atravessar a pista. Risco que deve aumentar a partir das chuvas previstas para o início do próximo mês.

De acordo com o Detran, o DF possui cerca de 3.770 travessias instaladas nas vias urbanas. Porém, a situação nem sempre é das melhores. Em Taguatinga, pedestres se arriscam na busca pelo transporte público em zonas de alta circulação de carros e motos, como na Praça do Relógio. De acordo com moradores, as faixas de pedestres estão há mais de 5 meses sem qualquer manutenção.

Completamente apagadas, as faixas não são sinal de segurança para os pedestres. Além da falta de pintura, a sinalização vertical também é extremamente ruim. Na Avenida das Palmeiras, 10 faixas estão com a pigmentação tão fraca que praticamente se confundem com o asfalto.

O recepcionista Pedro Henrique, 21, conta que já se deparou com situações difíceis durante a travessia. ;Certo dia, ao atravessar uma faixa na QNB 6, um motorista chamou a minha atenção. O condutor alegou que não havia faixa lá. Muitas vezes nem eles conseguem ver a sinalização. É um risco constante para o pedestre;, conta.

Ciente da dificuldade na travessia, o autônomo Mateus Santos, 26, morador de Recanto das Emas, passou a ter atenção redobrada ao atravessar as vias. Ele utiliza a bicicleta cotidianamente e um dos percursos é o centro de Taguatinga, onde vai a trabalho. ;A situação está difícil na cidade como um todo. Há muitas áreas em Taguatinga que nem possuem faixas de segurança nem de ciclovia, por exemplo;, explica.

A cautela aumentou ainda mais após uma experiência ruim. Em 2017, Mateus sofreu um atropelamento indo ao serviço: ;Quando fui cortar caminho e passar por um balão, achei que dava tempo, mas o motorista vinha mais rápido e acabou me atingindo. Nesse caso, quem se deu mal, fui eu;, relembra. A partir de então, Mateus passou a usar as faixas de pedestres. ;Mesmo assim, eu não arrisco, não confio apenas no primeiro (veículo) que para, espero todos os carros;, conta.

De acordo com Hartmüt Gunther, 74, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), a atitude defensiva é essencial no trânsito. ;Para os pedestres, vale a máxima: olhe para os lados antes de atravessar. E só atravesse quando a segurança for garantida, após a parada de todos os carros. Mesmo em faixas de pedestres semaforizadas, confira se o sinal está aberto para passagem;, instruiu. Sem esquecer o sinal com o braço.

Clima

Brasília está há mais de cem dias sem chuvas. De acordo com Olívio Bahia, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as altas temperaturas dos últimos meses contribuem diretamente para a degradação nas cores das faixas de pedestre. ;Elas estão constantemente expostas ao Sol. Se não houver uma manutenção periódica, as chances de a tinta ficar mais fraca são muito elevadas;, comenta.

O Detran alega que faz vistorias constantes e que finalizou, recentemente, a revitalização no Recanto das Emas. As manutenções em Taguatinga e Samambaia estão em andamento e, em Sobradinho e Planaltina, previstas para iniciar na próxima semana. O órgão também informa que sinalizou 1.340 faixas nos primeiros oito meses do ano e investiu mais de R$ 3 milhões no remodelamento de sinalizações horizontais e verticais.

Escolas em risco

Em Ceilândia, a história se repete. Na Avenida Elmo Serejo, entre a cidade e Taguatinga, foram contabilizadas mais de 15 faixas em situação precária. Mesmo com prudência, Vera Lúcia, 36, levou um susto quando foi atravessar uma faixa de pedestres no centro da cidade. Esperou o carro desacelerar totalmente, porém, uma moto desviou do veículo e quase a atropelou. ;Acredito que o motociclista não tenha visto a faixa. Ele passou de raspão por mim. Sorte que não me atingiu;, disse aliviada.

A equipe de reportagem flagrou uma faixa em situação perigosa na EQNM 18/20, em uma via escolar onde ocorre a travessia diária de crianças. A faixa de saída da Escola Classe 3, instituição que abriga 631 alunos da educação infantil, apresentou, além da coloração fraca, placas de sinalização tortas nos sentidos de ida e volta. Apesar de ser a única faixa de travessia dos alunos, a diretora da escola, Janaína Mamede, assegura que, até agora, não houve nenhum acidente no local, mas destaca que a última manutenção foi feita somente no ano passado. ;Todo ano eles fazem a revitalização, mas até agora, nada. Felizmente, o Detran realiza ações esporádicas em conjunto com o Batalhão de Trânsito para conscientizar os alunos da escola a tomarem cuidado na hora de atravessar a rua;, acrescenta.

Também morador de Ceilândia, o motorista Guilherme Gomes, 26, acredita que o respeito aos pedestres deve ser primordial para os veículos. ;Quando vejo alguém atravessando a rua, paro na hora. Se precisar, ligo o pisca-alerta para evitar acidentes;, ensina.

*Estagiários sob supervisão

de José Carlos Vieira

; Memória

Campanha em 1997

Em abril deste ano, as faixas de pedestres completaram 22 anos de implantação no Distrito Federal. Motivo de orgulho dos brasilienses, o respeito a esse tipo de sinalização é uma das marcas da capital. Contudo, nem sempre foi assim. Mesmo previstas no Código Nacional de Trânsito (CTB) desde 1966, as faixas ganharam credibilidade dos pedestres e dos motoristas apenas em 1997, quando uma campanha de conscientização envolveu governo, imprensa e população. Brasília abraçou a causa e deu um exemplo de cidadania que se mantém até hoje, fazendo a capital ter reconhecimento nacional e internacional.

Denúncia #2

O Detran informou, em nota, que tem ciência de que existem algumas faixas com pouca visibilidade e que estão incluídas no cronograma diário de revitalização. Todos os dias as equipes de engenharia atuam na pintura de faixas, quebra-molas e instalação de placas. A expectativa é de que, até novembro, todas as faixas estejam revitalizadas. A população pode indicar faixas a serem revitalizadas pelo telefone 162 ou pelo link da Ouvidoria na página da autarquia (www.detran.df.gov.br).