Riso idiota
A maneira como rimos é bastante reveladora de nossos valores, de nossa visão, de nosso caráter e de nossa alma. Percebi claramente isso aos 15 anos quando me recusei a rir da brincadeira que meus amigos faziam de pegar no couro dos gatos e atirá-los nos muros pelo prazer sádico de ouvir os gritos de dor dos animais.
Fiquei achando que havia algo de errado comigo, que eu era um E.T. e tinha um olho no meio da testa. Se todos riam, por que eu sentia horror diante daquela cena? Mas me libertei ao ler Crime e Castigo, do possesso Dostoiévski, e constatar que o personagem adolescente Raskolnikov se abraçara a um cavalo ensanguentado para evitar que ele fosse castigado pela chibata sob a gargalhada da turba. Talvez o meu ato tivesse algo de heroico e não apenas de patético, como eu pensava.
Bem, toda essa digressão é para manifestar o espanto com o riso de excelências, meritíssimos, digníssimos e senhorias em relação a situações nas quais não cabe nenhuma gracinha. Não consigo achar graça em piadas sobre a morte, a tortura ou uma facada. Revelam falta de compostura, de respeito, de decoro e de humor.
O humor foi e continua sendo uma arma para espicaçar a impostura, os tiranos, os ignaros e os truculentos. No fim da ditadura, o presidente João Figueiredo declarou, em frente a uma baía, que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo. Na mesma semana, o jornaleco O Pasquim estampou uma foto de Figueiredo com a seguinte legenda: "Figueiredo e o cavalo. O cavalo é o da direita".
As redes sociais também têm criado memes inteligentes, espirituosos e críticos. Mas, a pretexto de romper com o politicamente correto, autoridades propagam gracejos que degradam a si próprios e aos cargos que ocupam. Até em um boteco, em um banheiro ou em estádio, seriam tolos, de mau gosto e idiotas. Por favor, excelências, meritíssimos, digníssimos e senhorias, mantenham um mínimo de compostura.
Na acepção alta, o humor é filosofia e poesia. E, para fechar, fiquemos com o poeta uruguaio Lautreamont, um dos precursores do surrealismo. Ele comenta o episódio do riso de um filósofo ao ver um asno comer um figo: "Ah, o filósofo insensato que se pôs a gargalhar vendo um asno comendo um figo. Nada invento, os livros antigos mostraram com maiores detalhes esse vergonhoso despir-se da nobreza humana. Pois bem, fui testemunha de algo mais forte, vi um figo comer um asno. E, todavia, não ri; francamente, nenhuma porção bucal chegou a mover-se. A necessidade de chorar tomou conta de mim com tamanha força que meus olhos deixaram cair uma lágrima: "Natureza, natureza", exclamei soluçando,"o gavião estraçalha o pardal, o figo come o asno e a tênia devora o homem".