O GDF pretende criar núcleos especializados, dentro de todas as delegacias da capital, para o amparo de
mulheres vítimas de
violência com funcionamento 24 horas. Em entrevista ao
Correio, o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, confirmou, ainda, a abertura de uma nova delegacia especializada de atendimento à mulher, em Ceilândia, prevista para ser inaugurada no próximo ano. As ações são também uma resposta aos
feminicídios registrados no Distrito Federal neste ano. Até agora, há 20 casos confirmados.
Segundo o secretário, apesar da sensação de que crimes do tipo avançaram no DF, os dados da pasta demonstram que não houve aumento dos casos em relação aos anos anteriores. ;O número de mortes de
mulheres vem equilibrado desde 2014. O que houve, a partir de 2015, foi a tipificação, com a nova lei, do crime de feminicídio. Em 2014, por exemplo, tivemos 49 homicídios de
mulheres e nenhum feminicídio, porque não existia a lei. Porém, provavelmente metade ou mais da metade deles foram
feminicídios;, explica.
Torres destaca que o
feminicídio e a
violência contra a mulher exigem trabalho integrado entre diversas áreas do governo e participação ativa da sociedade nas denúncias. ;As estatísticas mostram que 84% dos crimes de
feminicídio aconteceram dentro de residências, onde o Estado não chega;, diz. ;Nós percebemos que teríamos conseguido evitar a grande maioria dos crimes se já soubéssemos que existia agressão, ameaça ou problemas anteriores;, complementa.
Na avaliação do secretário, há, hoje, uma
normalização da violência, como se a sociedade tivesse se acostumado ao número elevado de crimes bárbaros. ;Não devemos nos acostumar com a
violência. Isso não é normal. Precisamos reagir a tudo que está acontecendo, e é isso que estamos tentando fazer aqui na secretaria.;
Existe a sensação de que houve avanço no número de feminicídios no DF. As estatísticas mostram isso?
Não há um aumento do número de feminicídios no Distrito Federal. O número de mortes de mulheres vem equilibrado desde 2014. O que houve, a partir de 2015, foi a tipificação, com a nova lei, do crime de feminicídio. Em 2014, por exemplo, tivemos 49 homicídios de mulheres e nenhum feminicídio, porque não existia a lei. Porém provavelmente, metade ou mais da metade deles foram feminicídios. Por isso, inicialmente, eu digo que não houve aumento de mortes violentas de mulher no DF. Mas a gente precisa do envolvimento da sociedade como um todo para nos ajudar a evitá-los. As estatísticas mostram que 84% dos crimes de feminicídio aconteceram dentro de residências, onde o Estado não chega.
Diante da constatação de que a maioria dos feminicídios acontecem dentro das casas das mulheres, o que o governo pode fazer para mudar esse quadro?
A gente não tem como ter ciência de que vem ocorrendo dentro das casas. O que nós temos feito é buscar apoio da população. Lançamos, há alguns meses, a campanha Meta a Colher, para quebrar o discurso de que em briga de marido e mulher ninguém se intromete. Nós percebemos que teríamos conseguido evitar a grande maioria dos crimes se soubéssemos que existia agressão, ameaça ou problemas anteriores. O Estado teria instaurado o inquérito, indiciado o agressor para depor, as testemunhas... Talvez ele seria condenado por ameaça, a mulher conseguiria uma medida protetiva e o agressor usaria uma tornozeleira. Meios existem, mas a gente precisa que essa informação chegue até nós. Temos uma delegacia especializada nisso. Temos tentado aumentar a estrutura do Estado para atender essas mulheres vítimas de violência. Mas a gente precisa que a sociedade nos ajude.
Está prevista a abertura de mais delegacias da mulher?
Temos que pensar no tempo do mandato. Não adianta sonhar muito além dos quatro anos que temos aqui. Então, a nossa ideia é conseguirmos abrir mais uma Deam na Região Oeste da cidade. A ideia é de que seja em Ceilândia. Em seguida, vamos criar núcleos especializados que funcionem 24 horas nas outras delegacias. Eu não preciso de várias Deams. Se a gente evoluir e conseguir dar esse atendimento para a mulher na hora em que ela chega, já valeu o trabalho do governo em relação à mulher.
Muitas mulheres têm medo de denunciar e outras até não percebem que passam por abusos. O que se pode fazer para que a mulher se sinta segura para denunciar?
Estamos montando no DF, uma rede de proteção à mulher, entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Mulher. Hoje, temos atendimento à mulher no Metrô e estamos tentando a reforma da Casa da Mulher Brasileira. Procuramos ampliar os lugares para que elas possam denunciar, porque, muitas vezes, elas não têm condições de ir até o local em que poderiam relatar isso. Por exemplo, uma mulher agredida em um domingo, às 23h, em Planaltina ou Brazlândia, fica sem ter para onde ir. Às vezes não tem dinheiro no bolso para pegar um ônibus. Então, estamos tentando melhorar esse atendimento.
A violência contra a mulher vai além da segurança pública. Como está o trabalho com as outras secretarias e outras áreas para reduzir os números de violência contra a mulher?
É fundamental essa união entre os setores. Vejo que há muito preconceito nisso ainda, uma questão cultural muito forte envolvida, um sentimento de posse, do homem achar que é dono da mulher. São coisas que resultam em agressão. Esse crime sempre existiu, ele está aí desde sempre e está tipificado agora. É uma cultura que vem de muito tempo. Mudar isso em uma sociedade não é tão simples assim.
O preconceito está relacionado à onda conservadora em ascensão no país?
Acho que não. Nesse aspecto, acho que a gente não retrocede mais. A sociedade não aguenta mais. Crime é crime. As pessoas ainda têm um pouco de medo de se meter em casos de pessoas próximas, mas isso tem que acabar. Só assim vamos conseguir salvar essas vítimas.
Se a tipificação do feminicídio tivesse vindo antes, o senhor acha que os números seriam menores hoje em relação ao passado?
Acredito que não. No Distrito Federal, é uma coisa que se mantém há muitos anos. Esse crime sempre existiu e sempre foi horrendo do jeito que é. Os números hoje impressionam, mas temos que considerar também o aumento populacional. Hoje são 3 milhões de habitantes. Existe um fenômeno de normalização da violência, e isso me preocupa.
Então, o senhor acha que está havendo uma banalização da violência?
Antigamente crimes bárbaros paravam a cidade. Acho que a gente não deve se acostumar com a violência. Isso não é normal. Precisamos reagir a tudo isso que está acontecendo e é o que estamos tentando fazer aqui na secretaria. Com trabalho sério e de combate dentro da lei. Os números são altos, mas estão diminuindo e vamos conseguir chegar lá.
O senhor vê algo que poderia ser mudado na legislação para mudar esse quadro?
Não vejo. Acho que ela pune o agressor de forma eficaz e severa. Temos que aperfeiçoar os métodos e o envolvimento da sociedade. Temos que reforçar o Artigo 144 da Constituição, que diz que segurança pública é um dever do estado e um direito e responsabilidade de todos. Precisamos trazer isso para o cotidiano e a sociedade para junto da gente.
A Câmara Legislativa vai instaurar uma CPI do Feminicídio. O senhor concorda? Vai ajudar?
Eu não vejo o que apurar nisso. Eu acho que CPI, uma comissão parlamentar de inquérito, tem que ser instaurada quando se tem algo para apurar. Eles vão apurar o quê? Os crimes estão todos apurados. Digo sempre que o feminicídio é um crime de difícil prevenção, mas de fácil elucidação. Geralmente, quando a mulher morre, você sabe quem foi. Se eles quiserem todos os inquéritos que não forem sigilosos, a Polícia Civil vai entregar, mas aonde nós vamos chegar?
Recentemente, o DF teve um caso muito chocante, o do Marinésio. O senhor acha que dava para ter feito alguma coisa antes?
Eu acho que a investigação dos casos anteriores não teve sucesso. Infelizmente, se ele tivesse sido preso antes, daria para evitar algo. Considero o caso dele grave e raro. Mas temos que esperar o desenrolar de tudo para ver aonde vai chegar.
É possível que o caso seja ainda mais sério?
Acho que tem potencial para ser uma coisa mais séria, sim. Mas as investigações continuam, não é hora de se falar em ;acho;. O que está materializado já é absurdo.
Denuncie
A Secretaria de Segurança Pública incentiva que denúncias sobre casos de violência contra mulher sejam feitos pelas vítimas, parentes ou conhecidos. O contato pode ser feito pelos números 180, 3207-6172, 100, *100, 197 e 190.