Mais uma comunidade escolar precisou deixar de lado as aulas para chorar o luto pela insegurança no Entorno do Distrito Federal. Estudantes, pais, pedagogos e moradores de Águas Lindas (GO) se reuniram na tarde de ontem para uma caminhada pela paz na região. O ato teve início e fim no Colégio Estadual Machado de Assis, escola onde o coordenador Bruno Pires de Oliveira, 41 anos, foi morto esfaqueado por um aluno. Manifestantes lembraram que esse não foi o primeiro assassinato dentro de uma instituição no Entorno. Em abril deste ano, Júlio César Barros, da mesma idade, foi baleado no Colégio Estadual Céu Azul, de Valparaíso, e morreu. A população reclamou da falta de policiamento na região.
Uma das presentes na caminhada foi Graciele Tavares, 38, professora de história no Machado de Assis e namorada de Bruno Pires. Ela pediu por segurança para os educadores e alunos. ;Nosso colégio tinha Batalhão Escolar, os policiais faziam um bom trabalho, mas isso nos foi tirado neste ano. Agora vivemos com medo. Eu estou com síndrome do pânico, não durmo direito e me sinto anestesiada com tudo o que aconteceu;, disse. A pedagoga mora em Águas Lindas e conta que a região possui problemas sociais que se refletem nas escolas, como a falta de políticas públicas para a juventude.
;O professor hoje tem que dar conta de tudo sozinho, por conta das carências governamentais. O Bruno mesmo passava boa parte do tempo livre planejando aulas, projetos e ações que pudessem melhorar a vida dos meninos;, destaca. Vítima do segundo assassinato dentro de uma escola do Entorno em menos de seis meses, o coordenador será lembrado por ela como uma pessoa que sempre lutou pela educação. ;Ele poderia ganhar mais em outra profissão, mas amava dar aula. Era um paizão que ninguém tinha nada de ruim para falar. Agora nossos planos para casar e ter filhos foram ceifados, mas vou lutar para que ele não seja só mais uma estatística;, afirma.
Mãe de um dos alunos do Colégio Machado de Assis, Regina Barbosa, 33, disse que os estudantes também temem pela segurança dentro e fora da escola. ;Tem garoto que não vai ao banheiro, porque está com medo, pois, lá dentro, os meninos consomem drogas, mostram facas e fazem ameaças;, conta. A diarista também opina que falta policiamento preventivo nas ruas, com viaturas fazendo a segurança da população. ;Quando acontece alguma tragédia aparecem muitos policiais, mas não vemos isso no nosso dia a dia;. Fabiana Alves, 26, concorda. Ela mora a duas ruas da escola onde Bruno foi esfaqueado e conta que a região sofre com assaltos. ;Semana passada mesmo, roubaram duas casas por aqui. A gente se sente inseguro todo dia;.
Manifestação
Durante a caminhada, os manifestantes exibiram faixas de protesto e entoaram gritos contra a violência. Um dos cartazes exibia a frase: ;Ontem foi o professor Júlio, hoje foi o Bruno. E amanhã, quem será?;, fazendo referência à insegurança vivida pelos professores. O ato contou com a participação do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sintego), representado pela presidente Bia de Lima. ;Não dá para enterrar um profissional da pedagogia todo semestre. Todo educador hoje tem medo de ser o próximo a ser morto. Essa manifestação serve para pedir um basta, para que as autoridades criem uma rede de proteção aos estudantes e professores, com um regimento que garanta nossa segurança;, avalia.
Os protestos devem continuar ao longo da semana. Hoje à noite, por volta das 18h, professores do Colégio Machado de Assis estão se organizando para uma caminhada mais longa. Eles devem sair de um posto de combustível de Águas Lindas em direção ao Congresso Nacional, percorrendo mais de 57 km. Um dos organizadores, o professor de português Francisco das Chagas, 44, conta que o objetivo é entregar uma carta aos parlamentares pedindo por ações de combate à violência nas escolas. ;Temos expectativa de chegar ao Congresso às 9h de quarta-feira. Será difícil, mas nossa luta é pela educação, então vale a pena;, afirma.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás foi procurada para responder sobre o policiamento de Águas Lindas e encaminhou a demanda para o Batalhão Escolar da Polícia Militar do mesmo estado, mas o Correio não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. A Secretaria de Educação do Estado de Goiás (Seduc) comunicou que enviou uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogo, assistentes sociais e integrantes da Superintendência de Segurança Escolar, para dar o suporte necessário aos estudantes, professores e familiares do professor.
Memória
30 de abril
O professor Júlio César Barroso de Sousa, 41 anos, morreu após ser baleado dentro do Colégio Estadual Céu Azul (foto), em Valparaíso (GO). O autor dos disparos foi um aluno de 17 anos. Uma discussão na sala entre o adolescente e uma professora teria motivado o crime. Durante a manhã, o suspeito havia ameaçado a educadora e Júlio, coordenador da unidade de ensino, interveio, explicando que transferiria o aluno da instituição. Irritado, o jovem o ameaçou. Por volta das 15h, o acusado voltou à escola e, armado, realizou os tiros contra a vítima. O adolescente fugiu logo após realizar os disparos, mas foi apreendido no dia 1; de maio, no bairro Pedregal, na cidade goiana de Novo Gama.
30 de agosto
O coordenador Bruno Pires de Oliveira, 41 anos, de Águas Lindas de Goiás, morreu após ser esfaqueado por um aluno no Colégio Estadual Machado de Assis. O crime ocorreu por volta das 12h. A vítima chegou a ser socorrida por colegas e levado a um hospital da região, mas morreu durante o atendimento. O autor do assassinato foi Anderson da Silva Leite Monteiro, 18. Em depoimento, ele disse que não tinha intenção de matar, que queria dar um susto em Bruno. Testemunhas contaram à polícia que o aluno fazia parte do programa Mais Educação, voltado à prática de esportes a estudantes do 6; e 7; ano. Como ele estava em série avançada, teria recebido a informação de que seria desvinculado do projeto. Policiais militares de Goiás prenderam o estudante um dia depois do crime.