As 17 bailarinas da turma são uma pequena fração da parcela da população que, hoje, vive um momento emblemático. A projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o Brasil tem, em 2019, a maior expectativa de vida ao nascer da história: 76 anos. Com mais gente vivendo mais tempo, surge a necessidade de ressignificar a velhice e de levar a chamada ;melhor idade; de maneira ativa.
Aos 65 anos, Vanir Alves vive uma fantasia da infância. Há um mês, ingressou no grupo de balé, mesmo com a cabeça cheia de dúvidas. ;Desde criança, acho lindo. Quando ia dormir, eu me via como uma bailarina;, recorda-se a dona de casa. Depois dos primeiros passos, ela se encontrou, apesar de enfrentar uma fibromialgia ; síndrome crônica, caracterizada pela presença de dores nas articulações e nos tendões. ;A consequência disso é que eu estava deprimida. Não queria sair de casa, ficava indisposta. Agora, a dor e a tristeza foram embora;, comemora.
As aulas são uma vez por semana. A professora Raquel Xavier, 25, explica que, pela idade das alunas, é preciso tomar alguns cuidados. ;Trabalhamos o corpo todo respeitando os limites de cada uma. Procuro fortalecer pernas, braços, cabeça, coluna e até a memória por meio dos exercícios;, conta. O retorno tem sido positivo. ;Eu nunca tinha trabalhado com idosos. É uma experiência desafiadora. Muitas vezes, olhamos para os mais velhos achando que não dão conta, mas eles podem fazer o que quiserem;, completa.
Sem parar
Há mais de 40 anos, o Sesc mantém programas voltados à qualidade de vida de idosos. No Distrito Federal, cerca de 1,7 mil pessoas participam de atividades diversas em nove unidades. A maioria (80%) é de baixa renda. Coordenadora de assistência na unidade de Ceilândia, Adriana Costa explica que muitos participantes chegam às aulas após encaminhamento médico contra a depressão. ;A expectativa de vida está acima dos 80 anos. Queremos que as pessoas envelheçam de forma ativa e que, apesar de doenças e limitações, possam ter controle da própria vida;, comenta.
Além das atividades físicas, o Sesc promove rodas de conversa e debates para tirar dúvidas sobre leis, direitos e deveres. ;Fazemos ações educativas porque queremos empoderá-los. Temos idosos que precisam de cestas básicas e, às vezes, não conseguem pelo governo;, diz Adriana. ;A maioria do público é de mulheres. Elas cuidam mais da saúde. Os homens deixam de vir por vergonha;, lamenta. Sabendo da importância de movimentar o corpo, Marinete Valério da Silva, 74 anos, é a bailarina mais velha da turma.
Moradora de Ceilândia, ela também faz aulas de teatro, ioga, hidroginástica e forró. ;E ainda quero fazer coral;, completa. A paraibana trabalhava em uma loja na Feira dos Importados, mas, depois de ficar viúva, há 16 anos, colocou o comércio para alugar e resolveu se dedicar a cuidar dos netos. Há cerca de cinco anos, no entanto, ela decidiu priorizar a si mesma. ;Eu vivia para a família. Hoje, estou vivendo para mim. Faço o que amo e, quando estou no palco, eu me transformo.; Marinete tem reumatismo e conta que, antes da mudança no estilo de vida, sofria muito. ;Só vivia com dores. Todo mês, eu tinha ao menos uma dor de cabeça que me deixava acamada por três dias. Agora, não tomo mais remédio para nada;, comemora.
Nas aulas, ela conheceu pessoas e até arranjou uma paquera. O ;namorinho disfarçado;, como ela chama, inclui passeios ao cinema e tardes de forró. ;Meus filhos não aprovam muito. Falam que meu marido está me esperando no céu. Mas eu digo que ainda vai esperar um bocado porque não tenho planos de me juntar a ele tão cedo;, diverte-se. Mesmo com o namorico, ela diz que não quer se envolver muito. ;Tenho medo de sofrer. Então, não quero nada muito sério. Mas é muito bom ter uma pessoa que se interessa por mim. Faz com que eu me sinta viva, me traz ânimo.;
Amar não deve ser tabu
Para quem segue à risca a expressão ;até que a morte nos separe;, é um privilégio envelhecer ao lado do cônjuge. Além das intempéries normais de um casamento, manter a sexualidade viva é um desafio ao longo das décadas. Contudo, não é impossível, como garante Georgina Evaristo, 70. Casada há 45 anos, a moradora de Ceilândia explica, com naturalidade, que ser idoso não é motivo para deixar de amar.
;É preciso ter jogo de cintura;, afirma. ;É possível manter a vida sexual ativa. Claro, de forma mais leve, mais lenta, mas o desejo ainda existe. Óbvio que não é a mesma coisa da juventude, mas há muito carinho, amor e união. E isso é o bastante;, ressalta. Georgina descarta, com humor, a ideia de tabu e ressalta que cada um vive como quer. ;Eu nunca tive pavor da velhice e sempre achei gostoso dizer a idade que tenho. Já fui criança, adolescente e, agora, quero viver a fase em que estou;, acrescenta.
Psicóloga e professora da graduação e da pós-graduação em psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), Eduarda Rezende Freitas explica que a sexualidade faz parte dos fatores que garantem qualidade de vida.;Muitas pessoas entendem apenas como relação sexual, mas é muito mais que isso. Se queremos pensar em uma velhice bem vivida, temos de rever preconceitos e estereótipos sobre a sexualidade. E isso passa por diferentes áreas, inclusive pelas instituições que abrigam idosos. Como isso acontece nelas?;, questiona.
Eduarda defende que as famílias precisam entender que a inversão de papéis, com viés de superproteção, não é saudável para a autonomia nem para a independência dos idosos. Ela alerta, ainda, para problemas de saúde mental comuns entre idosos. ;Muita gente tenta naturalizar a depressão na velhice, como se fosse normal. Não é. E é altamente tratável. Há alguns fatores que podem prevenir a doença nessa fase, como atividades de lazer, de apoio social, exercício físico, relações boas com familiares e alimentação saudável;, elenca a professora.
Às pessoas próximas, cabe a missão de estimular os idosos e de evitar desencorajá-los em atividades que são capazes de fazer. ;É superimportante que nos atentemos ao fato de que eles podem aprender e se desenvolver. Todas essas atividades estimulam a comunicação entre neurônios e permitem novas conexões;, diz. ;É um processo fundamental, que se dá por meio da aprendizagem; não só a formal, mas também aquela que resulta de uma conversa com uma pessoa que conhece sobre um assunto que você não domina;, aponta Eduarda.
O que diz a lei
Direitos garantidos
O Estatuto do Idoso (Lei n; 10.741/2003) regula os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. A legislação prevê que o poder público deve garantir, com prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária a essa população. Também fica estabelecido que nenhum idoso poderá sofrer qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e que todo atentado aos direitos deles, por ação ou omissão, será passível de punição legal. Cabe aos cidadãos o dever de comunicar às autoridades competentes qualquer forma de violação à lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.