Jornal Correio Braziliense

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O mestre que amava Brasília



;Meu pai amava muito o Brasil e se sentia tão querido em Brasília que pediu para voltar;, disse, pelo telefone de Xangai, Gu Zhou Ji, o primogênito do Doutor Gu, que morreu no último domingo, vítima de câncer, depois de ser internado por mais de um mês numa UTI hospitalar naquela cidade chinesa. O filho, que herdou a profissão do pai (como ele, formou-se em medicina com especialização em acupuntura na China) esteve ao lado do pai e da mãe, Yu Xiu Sang, acompanhando o tratamento, que teve início em março no país de origem.

Doutor Gu, como era conhecido o médico chinês, considerado ;o mago das agulhas;, angariou milhares de pacientes, aos quais atendia sempre com a mesma presteza, por ordem de chegada. Ele não marcava hora. Desde que circulou a notícia de sua morte, a funcionária Luciana Rodrigues recebeu incontáveis chamadas e ;até flores de clientes que, não podendo se despedir, vieram aqui homenageá-lo;.

A clínica, denominada Centro de Tratamento Oriental de Brasília, está instalada há 33 anos na 714 Norte, num modesto espaço, cuja sala de espera exibe nas paredes recortes de matérias sobre o médico e fotos de clientes ilustres. Dentro de 20 dias, o espaço será reaberto pelo filho Zhou Ji, a quem o pai pediu que continuasse o mesmo trabalho.

Após a cremação, segundo a tradição budista, as cinzas do Doutor Gu virão a Brasília, como ele queria, promete Zhou Ji, um dos dois filhos. O outro, Fernando Gu, se dedica à advocacia. Além de duas noras, Gu deixa quatro netos.

No centro de tratamento que estabeleceu na cidade, Gu atendeu de pessoas comuns a autoridades. O mestre recebeu os segredos da acupuntura da avó e começou a atender aos 18 anos. Formou-se em medicina tradicional chinesa e educação em 1976 e tornou-se, mais tarde, diretor do Hospital Centro de Saúde de Xangai. Foi também membro e conselheiro da Federação Mundial de Acupuntura e Moxabustão.

A sorte
A vinda para Brasília foi decidida espiritualmente. O médico acupunturista nasceu e viveu 39 anos em Xangai, onde escreveu vários livros e chegou a ter um programa de televisão sobre a técnica. Certa vez, um amigo, também chinês, foi a Xangai procurá-lo para ajudar a mulher, que sofria de dores no pescoço. Duas semanas de tratamento resolveram o problema. ;Meu amigo me perguntou por que eu não vinha para o Brasil;, contou em entrevista à revista Encontro, do Correio, em 2013.

Budista, Gu foi a um templo para tirar a sorte. ;No mundo, no lugar mais distante, está a sua vida; foi o conselho recebido. Ele não teve dúvidas e desembarcou em Brasília, em 1987. Oito anos depois, durante visita ao mesmo templo, tirou a mesma sorte. Para Gu, a resposta estava no destino. ;Brasília é um lugar muito especial para nós;, dizia.

Colaborou Rodrigo Craveiro