Desde o início da Lava-Jato, operação de combate à corrupção da qual Dallagnol é o coordenador, existe imenso desconforto das grandes bancas advocatícias que atuam na defesa de criminosos do colarinho-branco. Em geral, políticos e empresários que sempre gozaram de impunidade no país. A punição a esses larápios começou no julgamento do mensalão. Mas tomou grandes proporções com a Lava-Jato, da qual o então juiz Sérgio Moro se tornou a principal referência, com reconhecimento nacional e internacional. A força-tarefa acabou com a farra dos que roubavam bilhões dos cofres públicos e nunca pagavam pelo crime.
No STF, há ministros ; hoje seriam maioria ; que veem no inciso LVII do artigo 5; da Constituição uma garantia de que nenhum condenado pode ser preso sem autorização do Supremo. Ninguém precisa de ;notório saber jurídico; para perceber que se trata de uma interpretação descabida. Basta saber ler. Veja o que diz o inciso: ;Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da ação penal condenatória;. Ora, quem julga ação penal de réus sem foro privilegiado são a primeira e a segunda instâncias. Esgotados os recursos no segundo grau de jurisdição, e é assim em praticamente todo o mundo civilizado, inicia-se o cumprimento da pena. Depois disso, o que há são recursos extraordinários ao STJ e ao STF, que apenas julgam se a lei foi aplicada corretamente.
Observem, no artigo 5;, que o inciso LVII não fala de prisão. Sabe por quê? Porque o assunto é tratado em outro inciso, o LXI, que dispõe: ;Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do juiz, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;. Ou seja: mais uma vez, ninguém precisa de erudição jurídica para entender: o que a Constituição, de fato, estabelece é que o juiz, desde que haja fundamento, pode decretar a prisão em qualquer instância. E era assim que funcionava no Brasil: cada juiz decidia se era o caso de um réu ir pra prisão. O STF mudou o entendimento, pela primeira vez, em 2009, livrando da cadeia um rico fazendeiro que deu cinco tiros num suposto amante da mulher. Em 2014, após o então ministro Teori Zavaski demonstrar o absurdo da impunidade eterna, o STF, por 7 x 4, retomou a jurisprudência da prisão em segunda instância. Desde a prisão de Lula, tenta-se derrubar a prisão após o segundo grau de jurisdição. Agora, com a Lava-Jato sob ataque, é maior o risco de retrocesso, para a alegria de grandes bancas de advocacia e dos ladrões de colarinho-branco.