A história de Maria (nome fictício), 65 anos, é parecida com a de Dayana. Ela saiu de casa, no interior de Minas Gerais, aos 18 anos para casar e dividir a vida com um rapaz de Brasília. Reservada e séria, a jovem queria estudar e trabalhar. ;Eu via no casamento uma saída. Naquela época, as meninas casavam, porque viam no casamento uma saída para todos os problemas;, contou. Mas, tão logo se mudaram para a capital federal, o martírio começou. Nos quase 20 anos de casada, Maria sofreu agressões físicas e psicológicas. Xingamentos e humilhações. ;Os dois tipos de violência eram terríveis para mim. Não sei dizer qual era a pior. Tudo te machuca muito, e eu sentia muita raiva. Achava que aquilo não era justo;, disse.
O problema era que, sem estudos ou trabalho, Maria não conseguia se livrar da relação. ;Eu me perguntava: Como vou me separar? Sou dona de casa, sem perspectiva;, relatou. O trabalho sempre tinha sido um sonho, mas só foi depois dos 25 anos que ela voltou a estudar. ;Ele achava que toda mulher que trabalhava traía o marido. E eu chorava todos os dias para trabalhar. Eu não suportava aquela vida de dona de casa e sofrendo violências todos os dias. Não era aquilo o que eu queria para mim, não era justo. Sempre quis a minha independência;, contou. ;Eu não tinha coragem de me separar. À época, tinha duas filhas pequenas, eu tinha medo. Separei na hora que deu;, disse.
O dia do basta chegou quando, em uma briga, o marido a jogou contra uma mesa de vidro, e ela cortou o braço. ;Eu tentei separar mais de uma vez por ano. Mas ele pedia socorro para todo mundo. Ele fazia uma agressão física, eu falava em separar, ele ajoelhava, pedia perdão, e eu pensava que ele ia melhorar, mas, na semana seguinte, estava fazendo tudo de novo;, lamentou Maria. Mesmo depois de separados, ele a perseguiu por mais de uma década. Maria só se viu livre da relação depois que o ex-marido se mudou para outra cidade. ;Tudo mudou quando eu me olhei no espelho e disse: saia dessa, se valorize, goste de você. Faça algo por você! Não espere nada dos outros! Lute!”
Anjo e monstro
Poder, controle, posse: três palavras muito comuns em relacionamentos abusivos. Para Lourdes Bandeira, do Departamento de Sociologia da UnB, pequenas atitudes controladoras no início da relação são potencializados por meio de uma cultura machista e patriarcal da sociedade. ;É a ideia da posse. Ela vira propriedade dele e, sobre ela, ele vai exercer seu controle;, explicou. É por isso que, em muitos relatos, o homem é carinhoso no começo, mas, depois, se torna agressivo. ;É isso o que acontece: ele era um anjo e, depois, vira um monstro. Mas aquelas atitudes deveriam estar presentes no começo do relacionamento;, alertou.