Jornal Correio Braziliense

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Crônica da Cidade

Perdão, Roberto Carlos

Alguns dias atrás, tive um sonho bizarro. Não havia razão aparente, mas eu estava jurado de morte. Em desespero, tentava fugir e entrava no elevador antigo e amarelo de um desses prédios tradicionais do Plano Piloto. Logo, era arremessado, sabe-se lá por qual força, direto para o pilotis, onde me aguardava o cruel perseguidor. Seria só mais um sonho estranho não fosse a identidade de quem me ameaçava: meu algoz, acreditem, era o rei Roberto Carlos.

Ele estava lá, armado e vestido completamente de preto. Mais inverossímil impossível. Não tinha flores nas mãos, não cantava Emoções nem usava qualquer adereço azul ou branco. Para completar o nonsense da cena, tudo era narrado por uma outra figura célebre: Fausto Silva. Acho que gritei e não sei, até agora, de quem tive mais medo.

Acordei no primeiro ;ô loco, meu; e, embriagado de sono, comecei a pedir perdão. De certa forma, eu quase que rezava para um Roberto Carlos que mais do que rei parecia santo, o que ; sabemos ; ele nunca foi. Quis encontrar justificativas. Afinal, o que fiz de mal para o nosso Roberto?

Lembro de ter dito algumas vezes, nos últimos tempos, que ele não lança uma canção relevante sequer há, no mínimo, 40 anos. Também critiquei o lado déspota e censor do monarca, quando quis ler, recentemente, a biografia censurada. Afirmei que ele é, talvez, o terceiro maior artista nascido em Cachoeiro do Itapemirim ; sem dúvida, atrás de Rubem Braga e Sérgio Sampaio ; e o chamei de brega, mas só depois de elogiar a malícia do cara que cantou As curvas da estrada de Santos e Ilegal, imoral ou engorda.

Nada me pareceu suficiente. O ódio estampado na face do rei que me perseguia precisa ter algum motivo menos óbvio. O problema é que não sou do tipo que se contenta com a dúvida. E me sentindo angustiado e atordoado ; sem condição nenhuma de seguir em frente ; pedi ajuda ao oráculo maior dos nossos dias. Digitei: ;O que significa sonhar com o cantor Roberto Carlos?;. Um questionamento comum entre os brasileiros, dizem os números do Google, mas até agora, infelizmente, sem respostas.

Sigo culpado. Desde então, não tive um único dia de paz. Nas ruas, qualquer cabeludo me faz lembrar dele. À noite, quase não durmo. Penso nos detalhes tão pequenos de nós dois e espero, em vão, que ele reapareça nos meus sonhos. Agora, num último ruído de esperança, suplico: Roberto, venha conversar comigo, eu quero explicar tudo, até o que não entendo. No fundo, eu só quero ser mais um no seu milhão de amigos.