A falta de vigilância de dezenas de passarelas do Distrito Federal transformou-as em pontos de encontro com o medo. Não atravessá-las, por vezes, corresponde ao risco de um atropelamento na via. Se utilizá-las, a chance de ser vítima de um crime, principalmente na ida e na volta do trabalho, quando bandidos aproveitam esses locais ermos e sem policiamento para agir.
Pela manhã, a insegurança acompanha quem precisa chegar cedo ao trabalho. A servente Amanda de Souza Gomes, 29 anos, mora no Riacho Fundo 2. Para estar no emprego às 7h, no Gama, ela sai de casa às 5h20, todos os dias. A caminhada até o ponto de ônibus dura menos de 10 minutos, mas, para ela, o trajeto parece levar uma eternidade. ;A pior parte é ter de atravessar a passarela. Minhas alternativas são arriscar a vida entre os carros na pista ou encarar as escadas escuras com a possibilidade de ser assaltada. Se for para escolher, prefiro a segunda opção;, avalia.
Amanda relata que histórias de assalto são comuns. Para ela, o problema seria resolvido com iluminação e com a presença de uma equipe da Polícia Militar. ;As ruas e a passarela são muito escuras. Um bandido consegue facilmente se esconder e esperar por uma vítima;, conta. De acordo com a servente, os casos são mais recorrentes ao amanhecer ou à noite. ;É uma tensão sem fim para nós, que estamos tentando apenas cumprir nossa jornada de trabalho;, desabafa.
O servente José Benedito Alves Filho, 51, mora no Novo Gama (GO), no Entorno. Ele trabalha no Recanto das Emas e precisa sair de casa às 4h, para chegar ao emprego antes das 7h. Ele desce na parada de ônibus da região administrativa por volta das 5h, quando atravessa a mesma passarela que Amanda. ;São 15 minutos de caminhada. Presenciei dois assaltos, mas nunca fui vítima. Mesmo assim, sempre ando atento, para não ser surpreendido por algum bandido;, relata.
Todo trajeto de José é feito no escuro. ;A passarela e as ruas são muito mal iluminadas. Quase não dá para ver nada. Quem passa por aqui corre um baita risco todos os dias;, reforça. ;Nesse horário, a gente anda quase sozinho na rua. Nos tornamos alvos fáceis para quem tiver má intenção. Se vejo algum movimento estranho, corro para alguma parada de ônibus, na esperança de ter alguém lá;, acrescenta.
Para quem enfrenta as passarelas à noite, não há opção, senão a de contar com a sorte. Em uma das passarelas sobre a Estrutural, esse é o período do dia que mais preocupa. Com pouca iluminação, uma das estruturas ; que está em reforma ; não é a opção favorita de quem cruza a pista. ;É difícil ter gente após as 20h. Passo aqui todos os dias e fui assaltado na região. É perigoso. Tem até quem roube pedestres e, depois, corra para a mata;, diz o bombeiro industrial Tiago Araújo, 38.
Funcionário de uma padaria de Vicente Pires e morador da Estrutural, Tiago atravessa a passarela de bicicleta antes e depois do expediente. ;Há muito trabalhador que fica com receio. Quando saía de casa às 4h, eu vinha correndo. Aqui, aconteceu um assassinato uma vez. Deveria ter mais segurança;, cobra. No momento da entrevista, um carro da PM passou pela área. ;Às vezes, aparece uma viatura. Mas sei que não vão manter. Parece que é fase. Tomara que continue;, diz.
Transporte
Em pontos de ônibus, relatos de crimes são frequentes. Ainda na Estrutural, o Correio acompanhou pedestres atravessando a pista em meio aos carros para evitar uma das passarelas, que não está finalizada. Perto dali, Maria Rosecléa Santos, 39, aguarda o transporte coletivo para Águas Lindas (GO). Mesmo a proximidade do Batalhão de Policiamento Rodoviário da PM não desperta tranquilidade. ;Aquela (passarela) ali é dentro do mato. É escura. Se houver alguém escondido, você não vê. Tem de ter mais iluminação. Praticamente todas as passarelas são iguais;, queixa-se a caixa de supermercado.
Técnica de nutrição, Helen Monique, 21, precisou mudar a rotina para driblar o perigo de atravessar a passarela entre o Recanto das Emas e o Riacho Fundo 2. Ela trabalha no Setor Comercial Sul e precisa sair de casa antes das 6h, quando ainda está escuro. Na volta do trabalho, ela desce na parada por volta das 20h, e ressalta que o horário, apesar da movimentação de pessoas, é propício para assaltos. ;Todos os dias, vou para a parada com meu namorado. Não desço na passarela. Prefiro esperar por um ônibus que entre na cidade e me deixe perto de casa. Apesar do tempo perdido, me sinto mais segura;, admite.
Perto do Condomínio Privê, em Ceilândia, muitos preferem se arriscar a cruzar a BR-070. Do outro lado, familiares, amigos e cônjuges esperam conhecidos que chegavam do terminal rodoviário ou de uma das paradas de ônibus. A administradora Maria (nome fictício), 39, tem medo de se se identificar, mas revela que ocorreram estupros e assaltos na região. Mãe de duas crianças, ela confessa que optou por andar com um canivete na bolsa, caso precise se defender. ;Não recomendo que façam o mesmo, mas uma amiga foi estuprada aqui. Então, é preciso tomar muito cuidado. À noite, por exemplo, não costumo atravessar a passarela por nada;, garante.
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Total de passarelas que receberam reparos no Distrito Federal