Reflexões de agosto
Quando a gente vira pai, algumas coisas mudam. Como uma casa já conhecida em que os móveis todos foram tirados de lugar e é possível ver as marcas na parede, sentir o cheiro da poeira, e depois a sensação de novo quando tudo se reconfigura. Acho que as transformações da paternidade devem ser bem ímpares. Mas imagino que seja algum tipo de regra não escrita da vida sentir as mudanças no lar dos nossos pensamentos. Quando minha filha nasceu, por exemplo, uma chama antiga de idealismo, que brilhava fraquinha lá dentro, ficou mais forte.
Várias responsabilidades surgiram a partir daí. Com o planeta, com o país, com a minha saúde... Uma delas me chamou a atenção por, inicialmente, ganhar contornos que me pareciam egoístas. Senti a necessidade de realizar os meus sonhos. Isso mesmo. Não os dela. Só com o tempo compreendi a emoção. Em partes, acredito, ser pai era um sonho pra mim, e a realização de metas nos traz essa vontade de seguir. Mas era mais que isso. Sentia, principalmente, a responsabilidade de lutar pelo que eu acredito, para que ela cresça aprendendo a lutar pelo que ela acredita.
Desde então, nunca li tanto. O interesse por política e por escrever também cresceu. Aquilo que, por diversas vezes, chamaram jocosamente de ;idealismo juvenil;, ;utopia;, ganhou vigor. Senti até um certo alívio de perceber que essas vontades ainda estavam ali, ardendo em brasas quase mornas. Ideias políticas, filosóficas e científicas (guardadas as devidas limitações). Todos têm direito de ter ideais, e me senti no dever de garantir que a menina que cresce faladeira e brincalhona nessa complexa Brasília do século 21 tenha as suas, e as explore. Para que descubra o mundo e, com isso, ainda, ideias novas.
O mundo das ideias é agitado. Às vezes, é preciso desapegar de parte delas, mesmo gostando, mesmo trazendo tanto conforto, em nome de outras, mais próximas da realidade e que nos arrancam com força da zona de conforto. Contraditoriamente, porém, são as que nos aproximam dos nossos objetivos. Ou nos fazem perceber a que distância estamos desses desejos. A gente vai aprendendo a lidar e não tem receita de bolo. A pequena também vai ter que aprender. Vai errar, vai sofrer e, talvez, alguma ideia até a faça chorar.
Ansiedade minha pensar isso tudo? Certamente. Anseio uma leitora ávida, encarando páginas e mundos. Anseio instigá-la, caminhar ao lado dela, ouvir as ideias mirabolantes e acusações efervescentes e apoiá-la. A vinda desse ser me trouxe à realidade e, com isso, me senti ainda mais impelido a cultivar os meus ideais. Estranha loucura. Mas é preciso admitir que me vejo aprendendo. Encontrando ideias novas que me reinventam, em um mundo fresco e envolvente, quando a vejo caminhar, brincar, a ouço falar e expressar suas emoções e pensamentos.
A gente vive uma loucura. É difícil dizer como vai ser o mundo daqui a 20 anos. Tem muita coisa acontecendo. Extremismo político, religioso, aquecimento global, uma tecnologia que avança vertiginosa, ninguém sabe bem pra onde. Mas é um momento de calmaria das ideias estavam ao lado da menina. Eu tenho direito de ansiar tudo isso. Afinal de contas, o que seria dos pais se não houvesse os filhos?