Jornal Correio Braziliense

Cidades

Defensor das matas

Como já disse, confesso que sou um marxista, mas da linha Burle Marx, o mais importante paisagista do século 20. Exposição no Jardim Botânico de Nova York evidencia a dimensão internacional do seu trabalho.

Cada vez, fico mais impressionado e enlevado com a sua obra e as suas ideias. Burle concebeu um plano paisagístico para Brasília, mas que não se realizou e se perdeu. Mesmo assim, deixou a marca do talento no Palácio do Itamaraty, no Teatro Nacional, no Templo da Boa Vontade, no Hospital Sarah, no Palácio da Justiça, entre outros monumentos.

O Itamaraty é o meu prédio preferido pelo equilíbrio alcançado entre a arquitetura de Oscar Niemeyer, a integração com a arte e os jardins de Burle Marx. No interior do Palácio, a gente tem a impressão de cair, abruptamente, em uma selva amazônica.

Mas os jardins internos do Teatro Nacional também são primorosos. E, com certeza, precisarão ser restaurados. Vi, recentemente, no Canal Brasil, o documentário Filme paisagem, dirigido por João Vargas Penhas. A trilha e a montagem proporcionam uma experiência de êxtase no contato com as plantas e as ideias de Burle.

Artista plástico, botânico, pesquisador e paisagista experimental, Burle deflagrou uma revolução ao inserir plantas nativas em praças do Recife, entre 1934 e 1937: cactos, vitórias-régias, palmeiras e coqueiros. Ele foi demitido por usar canas vermelhas nos jardins aquáticos de Casa Forte, tidas como subversivas.

Um dos momentos mais pungentes do documentário acontece quando Burle anuncia, de maneira profética, o receio de que viveríamos tempos sombrios em relação ao meio ambiente no Brasil. A data da afirmação não é mencionada, mas, só para termos uma referência, ele morreu em 1994.

Em uma viagem à Amazônia, Burle ficou estarrecido com a magnitude e o horror do desmatamento. Aponta para uma árvore gigantesca derrubada e comenta, desolado: ;Essa árvore jamais poderia ser destruída. Constroem uma estrada e colocam uma placa no lugar. A árvore era um monumento vivo;.

Ele via as plantas como manifestações divinas. Deus seria uma espécie de jardineiro cósmico a criar as mais misteriosas alquimias vegetais de extraordinária beleza. E tudo isso está sendo destruído pela ambição rasa associada à ignorância, como mostram as pesquisas recentes sobre o desmatamento nas florestas brasileiras.

O único sinal de alento que vislumbro é o surgimento de movimentos de defesa ao meio ambiente no Reino Unido. Na Suécia, surge Greta Thumberg, uma menina de 16 anos, que comanda manifestações contra o aquecimento global, reivindicando o ponto de vista da ciência contra a ganância e a estupidez.

Ver o filme sobre o Burle me fez muito bem à alma, pois estamos expostos a todas as sandices da ignorância. É necessário buscar inspiração e luz nos mestres. Em algum momento, precisaremos acordar, antes que seja tarde.