A astronauta esteve no auditório do Correio na manhã desta sexta-feira (26/7) para participar de uma palestra em comemoração aos 50 anos da viagem do homem à lua. Fischer fez parte do primeiro grupo de mulheres a integrarem a Nasa, em 1978. Cinco anos depois, aos 33 anos, a astronauta entrou para a história como a primeira mãe a participar de uma missão no espaço.
Com uma filha recém-nascida, Fischer contou sobre a dificuldade de deixá-la e partir em uma missão. O convite para participar daquele momento veio quando ela estava com oito meses de gestação. Minha filha nasceu em uma sexta-feira, 29 de julho, e na semana seguinte eu estava de volta ao escritório. Eu nunca diria ;não; para essa missão;, contou. "[Deixá-la] foi a coisa mais difícil que eu fiz" (veja mais na entrevista abaixo).
O sonho de ir ao espaço começou quando Fischer ainda era criança ; uma menina apaixonada por matemática e ciências, aos 12 anos de idade. Naquela época, no entanto, esse desejo parecia apenas um sonho distante e irreal, já que todos os astronautas da Agência Espacial Norte-americana (Nasa) eram homens. Hoje, aos 69 anos, ela incentiva: "Mas, se você tiver um sonho, não desista dele", afirmou.
Fischer é médica especializada em medicina de emergência. Durante a palestra, a astronauta contou como foi a preparação para a viagem, a rotina dos astronautas que integraram a missão espacial, e outras curiosidades. ;As pessoas sempre perguntam sobre o banheiro no espaço. Nós temos sucção a vácuo para ajudar, mas o resto vai com a sua imaginação;, brincou.
Depois de passar oito dias no espaço, Fischer contou que a volta também foi um desafio. ;Eu me sentia um gorila de 500 kg. Na hora que descemos da nave, estávamos segurando nas escadas porque não queríamos cair. A gente se sente muito fraco, e demora mais ou menos um dia para essa sensação sair."
É por isso que a astronauta defende a necessidade de serem feitos novos estudos sobre os efeitos do espaço no corpo humano, principalmente se, um dia, a humanidade quiser ir a Marte. ;Temos que voltar a Lua primeiro para aprendermos tudo o que precisamos para sobreviver em um corpo que está tão longe;, afirmou. Entre os alvos de estudo, Fischer coloca os impactos da radiação no momento de deixar a Terra, e também a perda de peso dos astronautas no espaço.
Corrida espacial
Em 1972, três anos após a viagem bem sucedidade de Apollo 11, a Nasa parou de lançar veículos para missões até o satélite natural ; o que Fischer considerou "decepcionante". "Infelizmente, diante da situação política da época, com a guerra fria e corrida espacial, os Estados Unidos ganharam a guerra com a ida do homem a lua, e perderam o interesse. E isso foi uma grande decepção a todos os astronautas;, disse. Para a astronauta, se os investimentos não tivessem parado naquela época, muito já poderia ter sido feito. ;Se você me perguntasse se a esse ponto nós já poderíamos estar em Marte, eu diria que sim;.
Em julho deste ano, a Nasa informou que deve voltar a Lua em 2024, com uma mulher na equipe. ;Eu tenho certeza de que a missão será bem sucedida;, comentou Fischer.
;A minha avó faleceu em 2003, com 105 anos de idade. Ela pode ver o desenvolvimento do avião, dos jatos, primeiro homem a lua e ver sua neta viajar num onibus espacial. Foram grandes coisas que aconteceram em 105 anos. E o mundo evolui muito rápido. Não consigo imaginar o que vocês, se tiverem a sorte de viver até os 105 anos, vão ver até lá", disse.
Riscos
Apesar de ser recompensador, Fischer também abordou os riscos de uma viagem ao espaço. Em 1986, mesmo ano em que iria ao espaço pela segunda vez, uma tragédia com uma espaçonave pouco após a decolagem deixou sete tripulantes mortos. A missão de Fischer foi cancelada logo depois.
;Pessoas trabalham o máximo possível para reduzir esse risco. Eu não teria corrido esse risco com uma recém-nascida se eu não tivesse certeza do que estava fazendo. Mas não interessa quantos lançamentos de sucesso houve antes. Você nunca elimina esse risco. Mas, eu posso dizer que realmente vale a pena;, completou.
Apesar de ter se aposentado há alguns anos, a astronauta ainda diz que, se tivesse a oportunidade, não descartaria ir à lua. ;Eu acho que é um ótimo momento para fazer parte do programa espacial. Mas, eu amo ter feiro parte do ônibus espacial antes de ele voar pela primeira vez. Eu amei ser parte do primeiro grupo de mulheres. Foi um prazer e privilégio pra mim. Eu não trocaria de lugar com ninguém no mundo;, garantiu.
;Todo astronauta, cosmonauta, diz que quando está no espaço, que não vê as bordas, você começa a perceber que faz parte daquilo e que isso é muito grande em comparação aquelas pequenos países da onde você vem;, concluiu.
Confira a entrevista de Anna Fisher ao Correio:
A ciência ainda é hoje um campo hostil para as mulheres?
Eu não acho que nenhuma área da ciência ainda seja hostil para as mulheres. Na verdade o problema que tem acontecido é atrair mulheres para a matemática. As cientistas estão indo para a biologia, e para várias áreas da ciência. Mas na verdade há uma grande busca por mais mulheres na matemática, porque não há tantas aplicações femininas. Eu realmente acredito que todas as áreas da ciência estão abertas para as mulheres. Se tivesse alguma coisa que eu pudesse dizer eu diria: ;Mulheres, eles te querem na matemática! Então pensem sobre isso!”.
Você aceitou o convite para viajar para o espaço e deixou sua filha pequena. Como foi tomar essa decisão?
Essa foi a coisa mais difícil que eu fiz na minha vida, mas a decisão não foi difícil, porque eu me comprometi com a Nasa, então não existia decisão. Quando eles me ofereceram o voo, eu tive que aceitar. Não foi fácil deixá-la quando ela tinha apenas 16 meses, mas várias mulheres precisam deixar seus filhos para trabalhar. Hoje existem tecnologias como videoconferência, e-mails, mensagens, celulares o que faz ser muito mais fácil. Mas na época nós não tínhamos isso, então foi ainda mais difícil. Hoje, pelo menos a tecnologia ajuda. Minha filha agora está passando o mesmo com a filha dela. Ela é jornalista e irá cobrir as eleições americanas, o que exigirá que ela fique, às vezes, até três semanas longe de casa. Ela veio me perguntar o que eu pensava sobre isso e eu perguntei: ;Você se lembra quando eu fui embora?; e ela disse que não. Perguntei então se ela estava orgulhosa, feliz, de eu ter feito o que fiz e ela disse que sim. Então eu falei: ;Bem, então Clara também ficará feliz. Será mais difícil para você. Clara ficará bem;.
Que conselhos você daria para as crianças que sonham se tornar astronautas?
É realmente muito difícil se tornar um astronauta. Nos estados unidos são em média 18 mil aplicações para 12 vagas e acredito que a concorrência deve ser muito grande para programas de outros países também. É difícil ser selecionado, então a primeira coisa que eu diria seria escolha alguma coisa que você ama. Esse é o conselho número um. Não escolha coisas pensando que no futuro isso te ajudará a se tornar um astronauta se você realmente não gostar disso. Escolha uma área que ama, pode ser a medicina, pode ser cientista, tanto faz. Existem duas formas de ser um astronauta. Você pode ser um piloto, e aí o caminho mais fácil é entrar na Força Militar, não é uma exigência, mas é uma grande chance de ser selecionado. A outra forma é se tornar um especialista e, de verdade, é possível escolher quase qualquer área da ciência. Um colega meu era veterinário! Depois, é preciso ter um nível alto de estudo, PhD, realmente se dedicar. Tirar licença privada de pilotagem, qualquer uma das coisas que mostre que você tem o perfil para se tornar um astronauta. Saber russo também é um grande ponto de destaque. Se eu pudesse apostar, eu apostaria que nos próximos anos será necessário ter conhecimento no idioma chinês também. Então, aprender mandarim não seria uma má estratégia.