Walder Galvão
postado em 25/07/2019 06:00
O comércio ilegal de celulares fomenta o crime no Distrito Federal. Comprar smartphones sem saber a procedência, além de ser contra a lei, incentiva assaltos, furtos e até latrocínios. O Correio esteve nesta quarta-feira (24/7) na Rodoviária do Plano Piloto, em Taguatinga e em Ceilândia e flagrou a compra e venda desses aparelhos sem nota fiscal, caixa ou carregador. O telefone fica exposto em mesas improvisadas ou é oferecido de mão em mão pelos vendedores, que não se inibem em abordar o público para apresentá-los. O valor pedido pode ser até menos da metade do que no comércio regular.
Na Rodoviária do Plano Piloto, a 5km do Palácio do Planalto, a negociação de celulares sem procedência conhecida ocorre a qualquer hora do dia. Na tarde desta quarta-feira (24/7) apesar da presença de policiais militares, ambulantes abordavam pessoas que circulavam no terminal para oferecer os aparelhos. ;Estou aqui todos os dias, de segunda a sábado. Chego pela manhã e fico até a noite, que é a melhor hora para vender por causa do horário de pico;, contou um homem que carregava quatro smartphones no bolso.
Além de vender, ele compra celulares para revenda, mas não exige nota fiscal e sequer pergunta de onde veio o aparelho. À reportagem, ele mostrou um Samsung modelo J5 Prime por R$ 380, custo quase 60% abaixo do preço de mercado. Nas lojas, esse smartphone sai, em média, por R$ 900. ;A gente negocia por outro valor ou até troca. Mas garanto que só trabalho com originais. Se você for em outro cara, tem de tomar cuidado para não pegar uma réplica;, alertou.
No centro de Taguatinga, próximo à estação de metrô Praça do Relógio, cinco ambulantes vendiam celulares na calçada na manhã desta quarta-feira (24/7). Em cima de expositores improvisados de madeira e papelão, eles apresentavam os produtos de preços variados. A situação era a mesma da Rodoviária do Plano Piloto, onde todos os aparelhos, cerca de 15, não tinham nota fiscal, caixa ou carregador. ;Compro e vendo celular;, anunciava um dos homens aos pedestres. ;Esse aqui é um Samsung Galaxy J8 Plus. Em qualquer loja, você o encontra por R$ 1,8 mil. Na minha mão, sai apenas por R$ 800;, afirmou.
Na presença do Correio, uma pessoa abordou esse vendedor, apresentou um celular e o vendeu na hora por R$ 250, sem apresentar qualquer documentação. Não houve questionamentos sobre a origem do produto, e a transação durou menos de 10 minutos. A todo momento, mais clientes interessados chegavam para perguntar os preços.
Assaltos
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) mostram que ocorreram 14.517 roubos no primeiro semestre de 2019, ou seja, mais de 80 assaltos por dia na capital federal. Segundo a Polícia Civil, o foco dos criminosos é, principalmente, smartphones, que têm alto valor no mercado e fácil revenda. Apesar do número expressivo, a quantidade de casos caiu 14% em comparação a igual período de 2018, quando foram registrados 16.893 crimes dessa natureza.
Outro delito alimentado pela venda irregular de celulares é o latrocínio. De acordo com a pasta, o telefone celular motivou 16 dos 27 roubos com morte de 2018. Em 2019, 12 assaltos com óbito foram registrados nas delegacias, porém, a secretaria ainda não estimou quantos podem ter acontecido quando um criminoso tentava subtrair o aparelho da vítima. Na terça-feira, o Correio solicitou dados referentes a furtos e roubos desses produtos eletrônicos em 2019 e 2018, porém, a SSP informou que precisaria de cinco dias para fazer o levantamento na Polícia Civil.
Fiscalização
O delegado André Luis Leite, titular da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri), confirma que o celular é cobiçado pelos bandidos por ser caro e de fácil revenda. ;Hoje, temos mecanismos de bloqueio que a própria Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) propicia. No entanto, alguns criminosos conseguem burlar esse sistema. Eles desbloqueiam esse aparelho e revendem no mercado informal;, ressaltou. Segundo o investigador, geralmente, os produtos são vendidos em feiras livres e pela internet. Dessa forma, não há regulamentação, e o anuncio é feito de forma simples.
André Luis também alerta que, além dos casos de roubos, há grupos criminosos especializados em furtos de celulares, que dão preferência para grandes eventos, com maior aglomeração de pessoas. ;No começo do ano, a Polícia Civil desencadeou duas operações com foco no combate a essa prática. Doze indivíduos estavam revendendo aparelhos subtraídos no DF para outras unidades da Federação. Também realizamos ações em alguns eventos do DF;, acrescentou.
Quando não há possibilidade de desbloquear o aparelho para revenda, os criminosos vendem o celular para lojas de conserto, onde são desmontados e usados para a manutenção de outros smartphones. ;Ainda existe esse tipo de comércio, o de peças, que não é regulamentado, e a fiscalização é um tanto falha. Geralmente, ele acontece em feiras;, detalhou o delegado.
Na Feira Permanente de Ceilândia, no Setor O, pelo menos três lojas fazem compra dos aparelhos para uso das peças. Eles também não exigem nota fiscal ou perguntam sobre a procedência do produto. ;A gente compra qualquer aparelho. Se ele não ligar ou a tela estiver quebrada, compro por um preço mais baixo. Basta trazer aqui, que a gente faz avaliação;, informou um atendente. Na banca dele, dezenas de carcaças de celulares estavam expostas no balcão.
A Polícia Militar informou que faz rondas de rotina para coibir o comércio irregular de celulares. ;Quando identificamos que o aparelho é roubado, levamos o suspeito para a delegacia. Temos muitos casos registrados e recuperamos mais de 1,7 mil smartphones neste ano;, ressaltou o porta-voz da corporação, major Michello Bueno. O militar orienta que vítimas de assalto registrem ocorrência na Polícia Civil para que seja possível a restituição do item subtraído. ;É importante guardar a nota fiscal dos produtos para facilitar o trabalho de identificação dos agentes;, reforçou.
Legislação
Entenda o que a lei prevê em caso de flagrante no comércio irregular de bens e aparelhos eletrônicos
Quem compra:
; Pode responder por receptação dolosa, com pena prevista de 1 a 4 anos de prisão. Caso a pessoa desconheça a origem do produto, a acusação pode ser enquadrada como receptação culposa, com pena de 1 mês a 1 ano de reclusão ou multa. Critérios como preço e condições de venda são avaliadas nesse caso;
Quem vende:
; Se o produto sem procedência for encontrado em atividade comercial, o responsável pela venda responde por receptação qualificada. A pena varia de 3 a 8 anos de prisão;
Quem furta:
; A pena varia entre 1 e 4 anos de prisão;
Roubo
; A punição varia de 4 a 10 anos de prisão;