Um choro de alívio substituiu as palavras que faltaram ao saber que o filho que entregou para adoção há mais de três décadas havia sido localizado. ;Eu não tinha condições. Minha outra filha tinha nascido há pouco tempo;, justificou a mãe em depoimento à polícia. Em abril, a mulher de 53 anos, que tem a identidade preservada pelos investigadores, procurou a 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul) em mais uma tentativa desesperada de reencontrar o filho, hoje com 31 anos.
Nem o nome dos adotantes a mãe biológica conhecia. O paradeiro do filho instigava a mulher cada vez mais. Apenas uma amiga, que teria intermediado a adoção, poderia ajudá-la. A última vez em que a mãe apelou à intermediadora para conhecer o rapaz, soube que ele tinha uma deficiência intelectual, argumento usado para desanimá-la. ;Ela falou que ele era deficiente, e eu disse: ;Não quero saber, não interessa. Eu quero vê-lo do jeito que ele for;;, contou a mãe, em depoimento.
O menino nasceu no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), em abril de 1988. Separada e com outro bebê para criar, a mãe, com 22 anos, entregou o menino, horas depois do parto, a um casal. Os pais adotivos registraram o garoto em Goiás, como se tivesse nascido em 25 de abril de 1988. A família mora fora do país.
Em abril último, a mulher voltou a saga para reencontrar o filho, motivada pela divulgação do caso de Sueli Silva, 54, que, após 38 anos, conheceu o filho, Ricardo Araújo, sequestrado quando era recém-nascido (leia Para saber mais). ;Ela dizia que só queria conhecer o rapaz, abraçá-lo e pedir perdão;, conta o delegado responsável pelo caso, João de Ataliba.
Perdão judicial
Com o nome da intermediadora, os investigadores localizaram a mulher, em Portugal. ;Nem à polícia a intermediadora revelou a identidade dos adotantes. Ela entrou em contato com o pai e ele nos contactou com receio de que pudesse ser acusado de sequestro;, detalha Ataliba.
À polícia, os pais alegaram ter medo que a genitora abandonasse a criança e, por isso, decidiram criá-la. Quando o filho adotivo fez 2 anos, o casal descobriu que ele tinha uma grave doença, que impedia o desenvolvimento intelectual. ;Esse menino foi criado com muita atenção e recebeu o tratamento necessário. Não vou indiciar o casal, pois cabe perdão judicial por ser um crime praticado por motivo de reconhecida nobreza;, justifica o delegado.
Mas a Polícia Civil do DF investiga se a intermediadora agiu ou não a partir deste princípio, pois ela é apontada como responsável por negociar outra adoção na mesma época. Mas a suspeita não atendeu mais as ligações dos agentes brasilienses e terá a identidade revelada caso não coopere com as investigações.
O reencontro
Em uma das salas da 1;DP, a mãe adotiva pôde ter contato com o filho, em 19 de junho. Foram quase duas horas e meia de conversa entre eles, os pais adotivos e a irmã biológica do rapaz. ;É uma criança de 3, 4 anos, no corpo de um homem. O encontro foi muito mais a realização de um desejo da mãe do que algo para ele;, conta o delegado.
Para a psicóloga Andrea Chaves, especialista em saúde cognitiva, comportamental e interpessoal, há uma grande possibilidade de a mãe ter tido uma depressão pós-parto, que a levou a abandonar a criança. ;Há uma pressão social muito grande sobre a mulher. Temos que ter esse olhar social para uma mulher que ressurgiu das cinzas e hoje, com maior estrutura emocional, criou coragem para reencontrar o filho;, analisa.
Andrea destaca não ser possível apagar o passado, o que não impossibilita uma reaproximação entre mãe e filho. ;Os afetos são feitos pela convivência, com coisas em comuns entre eles. Ela e ele vão ter que se conectar, achar linhas de convergência, descobrir como encontrar um com o outro;, comenta Andréa.
Para saber mais
Abusos e roubo
Em abril, outro caso emocionou os moradores da capital. Sueli Silva, 54 anos, reencontrou o filho Ricardo Araújo, após 38 anos de procura. Ela teve o filho roubado na porta do Hospital Regional do Gama (HRG), em 1981, quando tinha 16 anos.
Órfã de mãe e abandonada pelo pai, ela cresceu em um abrigo e foi vítima de abusos sexuais. Ainda na maternidade, após receber alta, Sueli foi orientada por um casal a ligar de um orelhão para a responsável pelo abrigo. Para fazer a ligação, ela deixou o bebê com a mulher, mas quando voltou, a criança havia sumido.
Ela conta que ao questionar o paradeiro do neném, recebeu a ordem de ficar calada e não procurar por ele. A falta de informação se arrastou por anos e em 2013, ela entrou em contato com a polícia para encontrar o filho.
Ricardo foi localizado pela 14; Delegacia de Polícia (Gama) na Paraíba. Os dois se reencontraram em 30 de abril, em João Pessoa, e passaram o Dia das Mães juntos pela primeira vez. Sueli vive na França, mas mantém contato com o filho diariamente. ;Fizemos um grupo da família e a gente se fala todo dia. O fato de saber como e onde ele está é tudo. A distância pode existir, mas não diminui a importância;, destaca. Sueli ainda conta que, antes de ir para a França, ela foi visitar a família que criou Ricardo e agradece a forma como foi recebida pelo pai de criação do filho.
Memória
16 anos sumido
O rapto do menino Pedrinho é o caso de sequestro de bebê mais famoso do Brasil. Desde o seu desfecho, em 2002, quando policiais de Brasília descobriram o paradeiro do garoto, em Goiânia, ele ganhou as capas de jornais e de revistas, inspirou novela, foi tema de documentários e de um livro.
O drama da família de Pedrinho começou em janeiro 1986, na maternidade do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e só acabou 16 anos depois. Disfarçada de enfermeira, Vilma Martins Costa chegou ao quarto onde a mãe de Pedrinho se recuperava do parto e roubou o bebê.
Vilma sequestrou a criança para forçar o companheiro, Osvaldo Martins Borges, a se casar com ela. Osvaldo se separou da família e criou Pedrinho com Vilma, em Goiânia, como se fosse seu filho legítimo.
A farsa só foi descoberta em 2002, após a morte de Osvaldo. A suspeita do crime foi confirmada com teste de DNA, em 8 de novembro. Antes do teste, os pais verdadeiros de Pedrinho, Jayro Tapajós e Maria Auxiliadora Braule Pinto, fizeram cinco exames de reconhecimento de paternidade.
A Justiça de Goiás condenou Vilma por sequestro e registro falso. Ela ganhou a liberdade condicional em agosto de 2008, após cumprir cinco dos 19 anos da pena. Pedro mudou-se para a casa dos pais biológicos, no Lago Norte, em 2003.
Formado em direito no UniCeub, advogado de um famoso escritório de Brasília, está casado e tem dois filhos, de 6 e 1 ano. A família vive em um apartamento da Asa Norte.