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Crônica da Cidade

Toda vaidade é burra

A frase que intitula este texto foi escrita no começo do século 20 por Louis-Ferdinand Céline, um dos meus escritores preferidos, mas nunca esteve tão atual. Céline complementava: não existe vaidade inteligente.

O filósofo Arthur Schopenhauer faz uma distinção que me parece essencial entre o orgulho e a vaidade. Segundo ele, o orgulhoso exige ser reconhecido por um mérito que realmente possui, enquanto o vaidoso deseja ser reverenciado por qualidades que, de fato, não tem.

Claro que sempre houve vaidade. Mas a diferença é que, agora, existe todo um arsenal de tecnologias da comunicação para praticar o narcisismo 24 horas por dia. Não exagero: até os médicos foram flagrados tirando selfies durante as cirurgias nos hospitais.

E tudo indica que a prática obsessiva de selfies não é muito favorável para a autoestima dos adeptos de narcisismo radical, pois a convivência intensiva com a própria imagem acarretou um aumento desmedido nas cirurgias plásticas. Quer dizer, é precisamente o contrário da felicidade em nome da qual se faz tudo isso.

Mas, neste momento, a frase de Céline me remete à esquerda, à direita, ao Ministério Público e ao Judiciário. Não pretendo atirar pedra em ninguém. Só quero chamar a atenção para o fato de que a vaidade tem nos empurrado para crises históricas profundas, como se pode perceber no momento atual do Brasil. Pessoas poderosas caíram (e caem), arrastaram (e arrastam) o país para o buraco.

O psicólogo norte-americano Christopher Lasch escreveu um livro excelente sobre o tema, intitulado O eu mínimo. De repente, reduz-se tanto o projeto de vida que ela fica incrivelmente pequena: o meu umbiguinho, o meu carrinho, o meu sanduichinho, o meu selfizinho, o meu projetinho para me dar bem, a minha maconhazinha... E que se dane o mundo.

Há um fechamento e um empobrecimento da experiência de interação com o outro, mesmo se o autor estiver conectado a milhares de redes sociais. Até a participação em movimentos políticos precisa ser uma ação de marketing pessoal.

Não quero ditar regras, mas, pelo pouco que li dos mestres ascensionados, o hedonismo, a vaidade e o narcisismo são um projeto infalível de infelicidade. Pelo contrário: eles dizem que a felicidade está no alargamento do eu, no desprendimento, na doação e na compaixão, valores relegados ao plano do ridículo ou do patético nos tempos atuais.

Do ponto de vista político, a vaidade tem nos levado a uma perda dramática do senso de realidade, a crises profundas e a tragédias históricas de longa duração. Basta ler as notícias dos jornais impressos ou assistir aos telejornais. Sim, Céline tem razão. Não existe vaidade inteligente.