;Como será o Brasil no ano dois mil?;, indagou Millôr Fernandes em poema publicado na seção Pif-Paf da revista O Cruzeiro. A intenção do humorista era mais nostálgica. Deixou um recado para os brasileiros do futuro. Mas o texto, que rememorei recentemente remexendo anotações antigas, rendeu uma boa dose de reflexão.
Entramos quase 20 anos no século 21 e ainda é difícil resumir como é o país nesses anos 2000. ;Que novas relações e enganos inventarão entre si os seres desumanos? Que lei impedirá, libertada a molécula, que o homem, cheio de ardor, atravesse paredes, buscando o seu amor?; As respostas, que já deveriam ser simples, vêm acompanhadas de extrema complexidade.
;Que diferença haverá entre o avô e o neto? Haverá mais lágrimas ou mais sorrisos? Mais loucura ou mais juízo? E o que será loucura? E o que será juízo?; Certamente dependerá de para quem lançarmos o questionamento. Prefiro, pessoalmente, a gentileza e a honestidade dos desajuizados que lançam doses de alegria insanas pelas ruas.
;Poderemos crescer todos bonitos? E o belo não passará a ser feiúra?; Poderíamos ter encontrado outras formas de encarar a beleza. Procurá-la nos gestos de amor, nos exemplos de bravura e de superação. Mas a exposição constante, as imagens e as postagens instantâneas nos tornaram a todos Narcisos diante do espelho.
Com dose maior de humor, pode-se dizer que Millôr previu ainda as braçadas inalcançáveis de Michael Phelps nas piscinas. ;Haverá entre os povos uma proibição de criar pessoas com mais de um metro e oitenta? Mas a Rússia (vá lá, os Estados Unidos) não farão às ocultas, homens especiais que, de repente, possam duplicar o próprio tamanho?;
O desfecho profético do poema lança novas questões para o presente e o futuro da nação. E os sonhos, esses sim, restam muitos. ;Quem morará no Brasil, no ano dois mil? Que pensará o imbecil no ano dois mil? Haverá imbecis? Militares ou civis? Que restará a sonhar para o ano três mil no ano dois mil?;