Jornal Correio Braziliense

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Crônica da Cidade

Professor de loucura

Fui professor do curso de jornalismo em uma faculdade particular durante oito anos. Ao longo do período, em todas as disciplinas que ministrei, a primeira tarefa que passava era escrever uma crônica. Eu tinha em mira conhecer melhor cada um. A crônica revela a alma.

Surgiam narrativas muito inventivas. Uma das mais interessantes foi a história de uma simpática senhora idosa que roubava mamões da espécie papaya em uma mercearia da Asa Sul. Os proprietários da lojinha logo descobriram o delito da senhora e ficaram muito constrangidos com a situação e sem saber que atitude tomar.

No entanto, em face do fato de que a senhorinha continuou a surrupiar as frutas com a maior inocência, eles resolveram entrar em contato com a família. Fizeram uma proposta extremamente vantajosa: concederiam um desconto grande nas compras do mamão, ela não precisaria roubar; podia simplesmente comprar.

Cientes dos acontecimentos, os familiares interpelaram a senhorinha e levaram a sugestão da mercearia. Ela era uma mulher religiosa convicta e praticante. Não faltava a nenhuma missa. E, precisamente por essa razão, alegava não poder abrir mão dos furtos. Argumentou que tinha conduta moral impecável. Então, necessitava arrebatar os mamões, pois, só assim ganharia o direito de se confessar. Era o único pecado que cometia.

E a outra história que elegi como uma das melhores teve como tema um misterioso ;professor de loucura;. No primeiro dia de aula, o professor de loucura entrou na sala e começou a expor seu plano de ensino. Antes de tudo, explicou no que consistia a disciplina da qual era titular: ;Sou professor da disciplina loucura. O que constitui essa estranha disciplina?, indagou o lunático professor.;

E ele mesmo respondeu: Loucura consiste em conhecer as principais vertentes e fontes da cultura brasileira e internacional, numa relação crítica. Conhecer, conviver e tornar-se íntimo dos personagens mais brilhantes da humanidade de todos os tempos. Inventar uma internet espiritual. Combater o culto da ignorância. ;Resistir ao espírito de rebanho e de maria vai com as outras e tornar-se um ser singular. Adquirir autonomia de estudo e tornar-se um verdadeiro autodidata. Extrair o que havia de melhor em cada um;.

Os alunos ouviram, mas ao tomar ciência do plano de ensino, informaram ao quixotesco personagem: ;Professor, acho que o senhor se enganou e entrou na sala errada. Ninguém aqui está interessado nesta disciplina;.

E, ao entregar os comentários, levei tremendo susto: a autora disse que escrevera o texto em homenagem a meu ;esforço dramático; em transmitir o conhecimento. Contou que a minha presença era polêmica, provocava comentários desencontrados: ;É inteligentíssimo;. Ou: ;Ele é louco;. Ou: ;Viaja na maionese;. ;Não, ele é lúcido, estuda para falar.; Entendia que eu ;atirava pérolas aos porcos;. Só uns 20% aproveitavam.

Retifiquei que apenas a primeira parte da frase estava correta. Tentava compartilhar o que havia aprendido de mais precioso. Tentava fazer a minha parte. O que as pessoas fariam com isso era da responsabilidade delas. Mas sempre deixava aberta a possibilidade de que eu tivesse errado em algum ou em vários momentos. Educar é difícil e dramático, e exige autocrítica permanente.