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Crônica da Cidade

Os reis do bete

Estou longe de ser alguém que acha todo mundo igual. Pra mim, cada pessoa tem sua marca própria. O que não nos impede, acredito, de fazer algumas generalizações de vez em quando. Principalmente se a generalização ajudar a gente a escrever uma crônica... Por isso, divido com a cara leitora e o caro leitor um fenômeno que tenho observado entre os brasilienses da minha geração ; aquela que passou a infância brincando nas ruas da capital ainda em construção dos anos 1970 e 1980: todo mundo adora dizer que era o melhor jogador de bete da cidade.

Bete, para quem não sabe, é um jogo entre duas duplas. Quem está com o taco (ou bete) se diverte. Quem está com a bolinha, tentando acertar uma lata de óleo Liza a uns 20 metros de distância, tem os piores momentos de sua vida, correndo feito bobo atrás da maldita bolinha que é rebatida pelos dois jogadores que estão se divertindo (para mais detalhes, consulte a internet).

Pois bem, quem foi criança em Brasília há uns 30, 40 anos, tinha de jogar bete. E, pelo que me lembre, cada quadra devia ter, no máximo, um grande jogador, aquele que acertava a bolinha com força e precisão e tornava ainda mais infernal o seu dia, quando você não tinha a sorte de formar dupla com ele. Hoje em dia, porém, basta os quarentões daquela época ouvirem a palavra ;bete; para logo entrar na conversa, tendo sido convidados ou não.

;Joguei muito bete!”, costuma ser a exclamação com a qual interrompem a conversa alheia. Depois, fazem alguma referência à quadra onde moravam. ;Lá na 105, o bicho pegava!” E se você der um pouquinho de trela, começam a se gabar. Já ouvi de tudo: ;Eu era especialista;, ;já fiz muito moleque correr;, ;eu jogava era com o cabo da enxada;, ;cabo de vassoura bastava pra mim;, e por aí vai.

E se o sujeito está com um amigo que poderia desmenti-lo, esse amigo não faz isso. Ao contrário. Entra na história e também diz que era o tal. No fim, um desavisado pode jurar que está diante de uma dupla que ganhou vários campeonatos mundiais de bete.

Voltando às generalizações, não acho que tal fenômeno seja uma exclusividade dos antigos brasilienses jogadores de bete. Quando algo inspira uma nostalgia boa na gente, a gente tem vontade de se imaginar como um dos protagonistas daquilo. O bete foi algo que realmente marcou a infância de quem cresceu junto com Brasília. Todos queríamos ser bons no bete. E agora que passou o tempo, gostamos de nos ver como grandes jogadores de bete.

E fomos. Mesmo gente como eu, que, nas raras vezes em que acertava a bolinha, a mandava para trás e não para frente, deu vida a uma brincadeira que ficou marcada na nossa memória e na história cultural da cidade. Fomos todos, de certa forma, reis do bete.