Jornal Correio Braziliense

Cidades

Crônica da Cidade

(cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

A arte da conversação

Fui a um laboratório fazer um exame de rotina e, quando cheguei lá, o caos estava instalado na sala. Os clientes discutiam, se alteravam e a temperatura da pendenga subia a cada intervenção destemperada. Parecia uma discussão sobre Fla-Flu, Corinthians e Palmeiras, Grêmio e Internacional, esquerda e direita na política. Todos queriam falar ao mesmo tempo, o barraco avançava, ninguém ouvia e não entendia nada.

Ao me aproximar da máquina de senhas e pegar uma para mim, constatei que a gerigonça não funcionava. Fiquei esperando algum líder emergir. Mas como não havia ninguém nos limites da sala, resolvi assumir o comando da situação. Respirei fundo e me concentrei para falar e agir com serenidade.

Então, pedi calma a todos, não era necessário brigar, pois alguém ali resolveria o problema. Perguntei a uma atendente, por favor, se ela poderia solucionar o entrave. Respondeu que não. Parece que era uma criatura pós-moderna, meio alheada e desinteressada do outro. Repliquei: se você não pode, alguém pode. Quem?

Ela me apontou uma porta e fui para lá. Encontrei uma moça muito simpática, educada e assertiva. Disse que, rapidamente, iria para lá. Mesmo sem ter nenhuma habilidade técnica, realizei um exame na máquina e descobri o óbvio ululante, causa de tanto transtorno: havia acabado o papel. Comuniquei à moça simpática e logo ela acabou com a tempestade em copo d;água. Providenciou uma nova senha para todos.

Situações semelhantes, de pequenas divergências, podem degenerar em briga generalizada.

Cada vez mais valorizo a arte da conversação, da negociação, da serenidade e da pacificação. Admiro cada vez mais os diplomatas. Eles são educados para dar a resposta mais adequada a cada circunstância. Mas, agora, as pessoas confundem completamente as esferas do público e do privado e consideram que podem fazer tudo.

Está faltando a arte da conversação e da negociação. Não fiz quase nada, mas esse quase nada foi suficiente para evitar uma confusão completamente desnecessária. E confesso que aquela pequena e insignificante intervenção me deixou feliz por alguns instantes.

Para culminar a minha felicidade, encontrei por lá uma leitora de minhas crônicas. Ela é inteligente, educada, ilustrada e bem-humorada. É um presente que a Crônica da Cidade me concedeu. Começamos a conversar sobre a intolerância, a deseducação e a ignorância do país. Mas de uma maneira muito divertida. É muito bom a gente encontrar uma pessoa civilizada. E ela me fez lembrar de uma frase de Nelson Rodrigues: ;Às vezes, eu passo dias, semanas e meses sem avistar um ser humano;.