Na semana passada, a dona de casa Vanderléa dos Santos, de 25 anos, foi assassinada com três tiros no rosto, em Sete Barras, cidade que fica a 203km de São Paulo. O motivo do crime é inacreditável. Ela teria combinado de levar salgados a uma festa junina, mas ofereceu doces. Por isso, discutiu com um homem de 47 anos em um bar.
Depois da pendenga, o acusado foi até o carro, apanhou o revólver e desferiu três tiros em Vanderléa, na frente dos quatro filhos da dona de casa, com 8, 6 e 4 anos, além de um bebê, de 10 meses. O acusado apresentou-se à polícia, mas foi solto porque fugiu do flagrante.
A situação parece um trailer do que poderá ocorrer se o decreto de flexibilização do porte de armas tivesse sido aprovado pelo Senado e se não for barrado pela Câmara dos Deputados. Ainda bem que prevaleceu a sensatez no caso do Senado e parece que prevalecerá também na Câmara. Esse projeto é de completa insensatez.
Ele vai na contramão de todas as estatísticas sobre a violência. Segundo Pesquisa DataFolha, 64% da população brasileira entende que a posse de armas deve ser proibida. E 72% não acreditam que a sociedade ficará mais segura com a posse de armas. O Ministério da Saúde estima que 120 mil vidas foram salvas com a Lei do Desarmamento.
Mesmo assim, o Brasil matou mais gente do que a guerra da Síria. Atualmente, 620 mil pessoas têm posse de arma, entre policiais, caçadores e praticantes de tiro esportivo. O número de cidadãos comuns chega a 346 mil. Se fosse aprovado o decreto, a quantidade de pessoas com posse de arma saltaria para 3 milhões.
É uma tragédia anunciada. Pequenas divergências triviais, sem maiores consequências, se transformariam em catástrofes cotidianas. Os parlamentares das câmaras municipais, das câmaras federais ou do Senado estariam autorizados a portar armas de fogo. É possível imaginar o desfecho das diferenças políticas. Até parlamentares que apoiam Bolsonaro ficaram estarrecidos quando leram o texto do decreto. E foi o caso da senadora Kátia Abreu (PDT-TO): ;A quem este decreto serve?;, indagou a parlamentar, ligada ao agronegócio.
Esse decreto é um atestado de incompetência do Estado em garantir a segurança dos cidadãos. Quem precisa ser equipada para nos proteger é a polícia. Basta ver o que a flexibilização e a desregulamentação provocaram em Brumadinho e Mariana.
Ainda bem que os parlamentares de diversos partidos compreenderam que não se trata mais de direita ou de esquerda, mas, sim, do direito à vida. Se esse decreto for aprovado, sobrará para todos. É com educação que daremos um passo de civilização, não com armas.