Tenho agora lembranças que não tinha, desenho imagens de um filme de terror que não vi. As cenas me invadem sem parcimônia, causam repulsa e um sofrimento intenso, como se eu conhecesse Rhuan havia muito tempo. Uma criança sofrendo o máximo de dor que seu corpo físico era capaz de suportar. Violentada, emasculada, torturada, esfaqueada, esquartejada quando ainda tinha sinais vitais. Rhuan passou seus nove anos de vida como a vítima preferencial de uma mente doentia. Não consigo chamá-la de mãe.
Como tudo no Brasil atualmente, a história de Rhuan tem ganhado contornos impróprios, a meu ver. Nas redes sociais, o foco se perde e as interpretações voam, ganhando trajetos imprevistos. Discussão sobre gênero? Feminismo? E lá vem toda sorte de argumentos e o velho discurso raivoso contra a mídia tomando o espaço do fato, que é sórdido o suficiente para permanecer como é. Que seja: a terrível história de perseguição, violência, tortura e morte de uma criança chamada Rhuan.
Por nove anos, ele resistiu a toda sorte de violência. Devemos a ele o reconhecimento de que foi um pequeno mártir, um anjo que merece a nossa reverência, a nossa homenagem, o nosso olhar mais atento a todas as crianças que sofrem por este mundo. Se as autoras dessa barbaridade são lésbicas, fanáticas, pactuadas com o demônio e odeiam homens, pouco importa. Que sejam punidas pelo que fizeram, como manda a lei, ainda que só isso não nos conforte. Deixemos a explicação para os estudiosos da mente humana. Por aqui, a exigência deve ser de justiça e os pensamentos devem ser para que Rhuan encontre descanso e luz. Brasília ganhou mais um capítulo tristíssimo da sua história. E não devemos esquecê-lo.
*Ana Dubeux é diretora de Redação do Correio Braziliense