E o motivo é simples. Com, literalmente, poucas horas de vida, Brasília não estava devidamente estruturada. Nada mais compreensível, portanto, que a documentação da época seja pouco confiável. ;É difícil comprovar os nascimentos daquele ano porque não há muitos registros. Não dá para saber, na verdade;, explica João Carlos Amador, publicitário e um dos maiores pesquisadores sobre a história da capital. ;Muitos candangos iam embora ou nem tinham documentos. Não havia controle, ainda mais de quem nascia aqui. E, quando se registrava oficialmente em cartório, era apenas anos depois;, completa o criador da página no Facebook Assim é Brasília.
Essa prática de registrar o nascimento de uma criança anos depois foi responsável pela sensação de injustiça que acompanhou Araguasselva Lira Fernandes Paniago durante toda a vida. Essa brasiliense conta que nasceu nos primeiros minutos de 21 de abril de 1960, na Vila do IAPI, no Núcleo Bandeirante. ;Eu me lembro de minha mãe, já falecida, dizendo que era possível ver os fogos de artifício na hora em que estava parindo;, diz.
O problema é que o pai de Selva, como gosta de ser chamada, só a registrou quatro anos depois. E, quando o fez, informou que a data de nascimento era 20 de abril, conforme consta na certidão da hoje pastora. Sem o documento correto e sem a visita de JK, ela diz que passou a infância se sentindo triste com a atenção que via sendo dada a Brasília, a outra menina nascida no dia 21 e que veio a falecer em 2016, aos 56 anos. ;Eu ficava entristecida porque eu poderia ter sido a primeira brasiliense, mostrada e chamada assim;, revela.
Brasiliano
Porém, mesmo que Selva conte que nasceu quando explodiam os fogos que anunciavam a virada do dia 20 para o 21 e marcavam o nascimento oficial da cidade, não é certo que ela seja mesmo a primeira criança a nascer na capital. Na história oral brasiliense, consta ainda outra criança nascida em meio ao foguetório: Brasiliano Pereira da Silva, vindo ao mundo em uma casa na mesma Vila do IAPI onde nasceu a pastora. ;Assim que os fogos começaram a estourar, minha mãe entrou em trabalho de parto. Deu para ver tudo de casa;, contou Brasiliano, em entrevista ao Correio, em 2010. Como sua conterrânea Brasília, Brasiliano também foi visitado e apadrinhado por Juscelino, tornando-se conhecido como o primeiro menino a nascer na cidade.
Se a verdade, no entanto, é que talvez nunca se tenha certeza de quem seja o primeiro brasiliense, um fato é certo: passados 59 anos, Brasília, a cidade, contabiliza mais de 3 milhões de habitantes. Tornou-se a capital viva e pulsante pela qual Juscelino lutou e registra, segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), mais de 44 mil nascimentos por ano. A cada dia, nascem 120 brasilienses, que estão aqui porque, antes deles, vieram Brasília, Brasiliano, Selva e tantos outros. Sejam os primeiros brasilienses ou não, esta capital deve a eles sua existência. E certamente lhes agradece.
Confusão de registros
A história de Brasília é tão repleta de detalhes curiosos que nem mesmo apontar qual foi a primeira criança cujo nascimento foi registrado na cidade é tarefa simples. Esse título já coube a outra afilhada de JK, Jussara Maria Oliveira Santos, que teve o nome foi escolhido por ser a junção de Juscelino e Sarah, a primeira-dama do Brasil à época.
De fato, ela é dona da primeira certidão emitida pelo 2; Ofício de Registro Civil e Casamentos, em novembro de 1960. No entanto, pouco depois de ser inaugurada, a capital ganhou dois cartórios. E, no 1; Ofício de Registro Civil e Casamentos, uma menina foi registrada antes de Jussara: Eliana Alves Franco, cujo nascimento em 3 de junho de 1960 ganhou certidão no dia 25 daquele mesmo mês.
;Meu pai teve que esperar abrir um cartório para poder me registrar;, conta ao Correio Eliana, filha do carioca Luiz Fernando de Andrade Franco e da portuguesa Olívia Alves Franco, que haviam chegado a Brasília em 1959. Apesar de ter se mudado para o Rio de Janeiro aos 18 anos, Eliana guarda na memória os tempos de criança. ;A lembrança fica. Minha infância foi maravilhosa. Tinha muita liberdade, e a cidade era muito bonita. Todo mundo se conhecia aí;, recorda.
Nascido na cidade livre
Antes de ser inaugurada, Brasília se tornou o lar de muitos brasileiros que ajudaram a construí-la. Acomodados principalmente na Cidade Livre, os candangos rasgavam o cerrado, davam forma à nova capital e também formavam famílias. Se o critério adotado para apontar alguém como o primeiro brasiliense for ter nascido na área que hoje abriga o Núcleo Bandeirante, o título deveria ser de José de Moura Filho, nascido na madrugada de 12 de junho de 1957, filho dos goianos Malvina de Araújo Brito e José de Moura Brito. Em 2006, o Correio conversou com José e sua mãe, que contou ao jornal: ;O moço (do carro de som) passou anunciando: ;Primeiro bebê nascido na Cidade Livre;. Eu fiquei toda contente;. Colaborou Fernando Jordão