Walder Galvão
postado em 12/06/2019 06:00
Dor, medo, humilhação e tortura marcaram os últimos cinco anos de vida de Rhuan Maycon, 9 anos, concluiu a Polícia Civil do Distrito Federal. Assassinado e esquartejado pela mãe, Rosana Auri da Silva Cândido, 27, e pela madrasta, Kacyla Priscyla Santiago Damasceno, 28, a vítima teve o pênis cortado, era impedido de ir à escola ou de socializar com outras pessoas. Nesta terça-feira (11/6), os agentes encerraram a primeira etapa da investigação e encaminharam o inquérito à Justiça. Além de homicídio qualificado, as acusadas responderão por mais quatro crimes cometidos antes e depois da morte do menino. Somada, a pena pode chegar a 57 anos de prisão.
A conclusão do exame cadavérico permitiu que os investigadores identificassem outras agressões cometidas pelas mulheres. Inicialmente, os peritos constataram que o corpo de Rhuan estava sem o pênis. Ao ser questionada, Rosana detalhou que cortou o órgão do menino há cerca de dois anos, em Goiânia (GO), com a ajuda de Kacyla. De acordo com elas, o filho teria dito que ;queria ser uma menina; e por isso fizeram o procedimento. Por causa da mutilação, as mulheres responderão por lesão corporal grave.
Além disso, Christopher Diego Martins, o médico-legista responsável pela análise do corpo de Rhuan, explicou que o corte do pênis do menino, feito em casa, causou diversas complicações, inclusive intensa dor ao urinar. ;Por causa do procedimento, a uretra se retraiu. Ela se fechou, formando uma fistula até a derme. Por esse caminho, que é muito estreito, ele urinava. Isso é algo cruel e doloroso;, explicou. Para os investigadores, as complicações da mutilação são consideradas tortura, pois o menino ficou quase dois anos com o problema, sem ao menos ir a uma unidade de saúde.
Esquartejamento
Os peritos identificaram que, na noite do crime, em 31 de maio, Rosana e Kacyla esfaquearam Rhuan em mais de 10 partes e o decapitaram. Os investigadores não descartam a possibilidade de o menino estar vivo quando teve a cabeça arrancada. Em seguida, elas tiraram a pele do rosto dele e tentaram arrancar os olhos. Parte do corpo foi jogado em uma churrasqueira. A ideia era triturar os ossos com uma marreta, cozinhar o restante e descartar tudo em uma privada. Porém, a quantidade de fumaça fez as mulheres desistirem e distribuírem o corpo em duas mochilas e uma mala, descartada em um bueiro e encontrada por vizinhos, que acionaram a polícia, resultando na prisão das acusadas.
Como tentaram descartar o corpo, Kacyla e Rosana responderão por ocultação de cadáver. Após o crime, elas usaram água sanitária para limpar toda a cena, o que configura fraude processual, pela alteração do local que seria periciado ;Esse foi um dos crimes mais horríveis que aconteceram no DF. Nossa ideia foi aprofundar as investigações para que elas cumprissem a maior pena possível. Por isso, encaminharemos o inquérito, mas as investigações continuam em andamento. Vamos apurar se elas não cometeram outros crimes;, frisou o delegado à frente do caso, Guilherme Sousa Melo.
Kacyla e Rosana estão presas na Penitenciária Feminina do DF, a Comeia. Por causa da repercussão do caso, a Justiça determinou que elas fiquem separadas das outras detentas, para não serem agredidas ou mortas. Além disso, de acordo com o delegado, as mulheres não têm permissão para interagir entre si e permanecem isoladas.
Fanatismo
Rhuan morava com a mãe, a madrasta, e a filha dela, de 8 anos, que presenciou a morte do irmão. As mulheres fugiram com os meninos do Rio Branco (AC) em 2014 e passaram por incontáveis cidades de diferentes estados, como Aracaju (SE), Goiânia (GO) e Palmas (TO). A ideia era despistar os pais das crianças, que tentavam a guarda delas na Justiça. O casal decidiu cometer o crime no dia em que descobriram o corte da pensão da irmã da vítima. Para as acusadas, o menino era um ;empecilho; e a morte dele poderia significar um corte de gastos caseiros.
Além dessa possibilidade, ainda há outras duas teorias que possam ter motivado o assassinato. Uma delas é o fanatismo religioso das acusadas. Há uma semana, o delegado Guilherme foi ao Acre tentar traçar o perfil das investigadas. De acordo com o policial, elas teriam se conhecido ainda na escola e se reencontrado em uma igreja evangélica, onde começaram a namorar. ;Testemunhas nos contaram que elas mudaram de comportamento por causa da religião e perseguiam os filhos, queimando roupas deles e dizendo que os itens eram do demônio;, ressaltou.
Na casa onde parte do corpo de Rhuan foi encontrado, em Samambaia, havia diversas passagens bíblicas coladas nas paredes, o que reforça o fanatismo religioso. ;As atitudes delas independem de qualquer instituição religiosa. Nossa suspeita é de que elas tenham usado as próprias interpretações da Bíblia para cometer o crime;, explicou. Em Rio Branco, o investigador ainda destacou que Kacyla era conhecida por ter ;revelações espirituais e sonhos proféticos;. Por isso, os policiais não descartam que isso possa ter motivado a morte do menino.
Outra teoria da Polícia Civil é de que Rosana teria cometido o crime por vingança. ;Durante interrogatório, ela nos disse ser uma pessoa vingativa, que acreditava no Deus do Antigo Testamento, que era justiceiro e, por isso, não teria entregue o filho ao pai ou aos avós;, comentou o delegado. Segundo Guilherme, a morte de Rhuan talvez tenha sido para atingir o pai dele. ;Ela disse que Rhuan teria sido concebido após um estupro. Porém, descartamos essa possibilidade;, afirmou. No último domingo, em outro interrogatório, a mulher ressaltou sentir ;ódio e nenhum amor; pela vítima.
Reaproximação
A filha de Kacyla carregou sequelas dos maus-tratos que recebeu durante a fuga com a mãe. Dois dias após o crime, o pai dela, o agente penitenciário Rodrigo Oliveira, veio de Rio Branco (AC) reencontrá-la após cinco anos de procura. Depois do crime, a menina foi levada a um abrigo de Taguatinga para passar por acompanhamento de conselheiros tutelares e psicólogos. Inicialmente, ela não conseguia ficar na presença masculina. A garota tinha sido ensinada a temer homens e por isso evitava o pai. No entanto, de acordo com o Conselho Tutelar, o quadro dela muda a cada dia.
;Agora, os encontros com o pai estão sendo bem positivos. Eles passam o dia todo juntos e o vínculo afetivo está sendo reconstruído;, informou a conselheira tutelar que acompanha o caso, Cláudia Regina Carvalho. De acordo com a profissional, pai e filha fizeram alguns passeios externos, mas ainda não há previsão para que a garota deixe o abrigo. ;Estamos bastante esperançosos;, frisou.
Entenda o caso
Na noite de 31 de maio, Rosana e Kacyla apunhalaram Rhuan, esquartejaram o garoto e colocaram partes do corpo dele em duas mochilas e uma mala. Rosana caminhou cerca de 1km até encontrar um bueiro onde jogou os restos mortais do menino. O crime aconteceu em uma casa alugada pela família, em Samambaia. Um adolescente de bicicleta viu a cena, suspeitou e, com amigos, recuperou a mala e acionou a polícia. As duas foram presas em flagrante e confessaram o crime.