Jornal Correio Braziliense

Cidades

Vizinhos tentaram denunciar violência

Ao menos uma denúncia por maus-tratos foi feita por meio do Disque 100 a respeito das quatro crianças que moravam com Rosana Auri da Silva Cândido, 27 anos, e Kacyla Priscyla Santiago Damasceno, 28. Na madrugada de sábado, elas esfaquearam e esquartejaram Rhuan Maycon, de 9 anos, filho de Rosana. Tudo teria acontecido na frente de uma menina de 8 anos, filha de Kacyla.

O crime aconteceu na QR 619 de Samambaia. No lote, há a residência principal, onde habitam os locatários, e dois puxadinhos. Em um deles, as mulheres viviam com as crianças havia cerca de dois meses. Em 9 de maio, um morador da quadra ouviu Rosana e Kacyla agredindo as crianças e decidiu fazer uma denúncia por telefone. Foram sete chamadas na tentativa de conseguir atendimento.

Ele detalha que iniciou as ligações às 8h, primeiramente pelo Disque-denúncia da Polícia Civil. Contudo, foi instruído a ligar para o Disque 100. Mas, mesmo após relatar a suspeita de maus-tratos, não conseguiu concluir a denúncia. ;Nem o endereço pude passar para que averiguassem a situação. Por fim, liguei em um fixo do Conselho Tutelar da região e a atendente pediu para eu retornar mais tarde, porque só tinha um conselheiro no momento. Depois, não ouvi mais nada nem naquele dia, nem depois.;, contou.

Conselheiro tutelar de Samambaia Norte e responsável pelo caso, Adjânio Santos garantiu que nenhuma denúncia foi protocolada. ;Se tivesse chegado qualquer informação de violação de direito, tomaríamos as medidas necessárias. Essas mulheres eram procuradas pela Justiça. A tentativa delas de se esconderem é, inclusive, o motivo pelo qual as crianças não estavam matriculadas em nenhuma escola;, alega.

O conselheiro afirmou, ainda, que a atuação no caso garantiu que a menina de 8 anos não fosse morta. ;Estamos protegendo essa criança e intervindo na aproximação dela com o pai de maneira a fazer uma conexão gradativa de modo a buscar e resgatar o bem-estar físico e psicológico dela;.

Nos dois meses que moraram em Samambaia, as mulheres não fizeram amizades e não permitiam a entrada de ninguém na residência. A vendedora Priscila de Souza, 24, é filha do homem que alugou o imóvel e conta que todo o trâmite contratual foi por telefone. ;Elas sempre pagavam na data certinha. Apenas uma vez houve atraso no pagamento das contas e meu pai precisou falar com elas. Foi a Kacyla quem conversou, mas foi tudo do lado de fora;, narrou.

Priscila conta que havia discrição em tudo. Portas e janelas estavam sempre fechadas e panos vedavam os vidros para que ninguém visse nada. O menino era raramente visto, ao contrário da menina, que quase todos os dias ia para o quintal estender roupas no varal. ;Era uma criança muito séria, nunca sorria, nem falava com ninguém. Eu ouvi algumas vezes as mulheres gritando com o menino;, recorda Priscila.

A dupla tinha anunciado que se mudaria no sábado, dia do assassinato, mas não avisou para onde iria. Priscila esteve no local do crime após a prisão das duas. Nas paredes, 31 versículos escritos em papéis estavam colados nas paredes ; um para cada dia de maio ;. ;Na sexta-feira fiquei esperando elas entregarem o dinheiro do último aluguel e as contas, mas não apareceram.;

Investigação
Hoje, o delegado Guilherme Sousa Melo, da 26; Delegacia de Polícia (Samambaia Norte), vai a Rio Branco, capital do Acre, para investigar a trajetória das envolvidas. Ontem, ele acompanhou a liberação do corpo de Rhuan do Instituto de Medicina Legal (IML). ;Há indícios de que elas possam também ter torturado o menino. Acredito que o corte da pensão e a vingança do ex-marido, tudo isso sejam motivações secundárias para o crime;, afirmou o delegado.

Segundo ele, dias antes do crime, uma moradora da cidade se ofereceu para adotar a filha de Kacyla. ;Ela teria desconfiado de que a menina não estava bem e fez a proposta, mas elas não concordaram. Se essa mulher notou isso, é porque a situação não estava bem havia algum tempo;, acredita.

Ontem, o corpo do menino foi levado a Rio Branco, e será sepultado na manhã de hoje no cemitério da cidade, onde a bisavó do menino foi enterrada. Sem ter como custear o translado, o pai de Rhuan, Maycon Douglas Lima de Castro, 27, conseguiu ajuda para pagar o serviço. O governo e a Defensoria Pública do Acre custearam o transporte do corpo.

Vizinhos escutavam as acusadas cantando em alto volume hinos gospel. A enfermeira Maiela Vieira, 36, lembra que as duas estiveram um dia no templo que frequenta em Samambaia. ;Elas pingavam de igreja em igreja para pedir cesta básica. Procuraram meu pastor e disseram precisar de R$ 400 para pagar o aluguel. Ele disse que daria, mas que iria à casa delas para uma conversa. Elas se levantaram e foram embora sem nem dar tchau.;

De acordo com ela, as crianças raramente eram vistas. ;No fim da tarde, a molecada da rua gosta de jogar bola, andar de patins, mas de lá a gente não via ninguém. As duas mulheres diziam que eram irmãs e só apareciam para colocar o lixo para fora.; Maiela passou dois dias sem dormir. Quando os policiais estiveram no local, ela viu as mochilas que ainda tinham partes esquartejadas de Rhuan.

Assim como ela, a moradora do puxadinho ao lado da cena do crime também está insone há dias. Abalada, decidiu se mudar ontem. ;Tenho um bebê de três meses. Fico imaginando se tivesse sido com ele. Desde sábado pessoas passam na rua de madrugada chutando o portão, ninguém consegue descansar;, relata. Diversos furtos aconteceram no local. Ladrões aproveitam a casa abandonada e pulam o muro para levar objetos de valor.

Entenda o caso
Morte e esquartejamento
Na madrugada de 31 de maio, Rosana e Kacyla apunhalaram Rhuan Maycon, esquartejaram o garoto e colocaram partes do corpo dele em uma mala. Rosana caminhou cerca de 1 km até encontrar um bueiro onde jogou os restos mortais do menino. Um adolescente de bicicleta viu a cena, suspeitou e, com amigos, eles recuperaram a mala e acionaram a polícia.

As duas foram presas em flagrante e confessaram o crime. Uma das motivações seria a determinação da Justiça do Acre para suspensão do pagamento de pensão no início do mês. A decisão era uma tentativa de forçar as mulheres a aparecerem, pois eram procuradas pelo desaparecimento das duas crianças;.

Colaborou Bruna Lima