Jornal Correio Braziliense

Cidades

Crônica da Cidade

Experiência transformadora

Andar pelos corredores em vãos livres emoldurados por pilares de concreto aparente abriu caminhos que ultrapassam aqueles traçados por um diploma de nível superior. Conhecer o minhocão ; apelido da época em que meu pai estudava na federal de Brasília ; representou muito mais do que a conquista de uma vaga em seleção tão disputada. Ali, aprendi o verdadeiro sentido de formação para a vida.

É claro que eu sabia o poder dessa nova fase. Ninguém deixava esquecer. Era como entrar de fato para a vida adulta, e aquelas observações de senso comum tomavam conta das conversas. ;Agora vai ver o que significa estudar de verdade.; ;Universidade não é ensino médio.; ;Prepare-se para virar noites.; Todos estavam certos. Mas erraram muito também.

Não só porque, sim, aos 17 anos, eu já havia passado madrugadas mergulhada nos livros, mas é que as generalizações são insuficientes para resumir a potência do que representa estudar em uma universidade pública. Sofrimento, felicidade, angústia, satisfação, indignação, orgulho: todos sentimentos que se misturam num sem-fim de emoções diárias (ou semestrais).

Pisar naquele solo faz ir além. E dá um nó na cabeça. Aprender que a sua opinião não importa quando se trata de ciência, mas, sim, a demonstração baseada no método científico. Saber, ao mesmo tempo, que a sua liberdade de se expressar ; sem ferir o outro ; é soberana e indispensável. Ver na alteridade uma outra verdade e entender que isso não é problema. Viver transgressões. Aceitar as consequências. Fazer os próprios horários e cuidar da trajetória acadêmica. Ser livre e independente de verdade, para errar e acertar.

Hoje mais conhecido pela sigla original, o ICC ; que, por sinal, significa Instituto Central de Ciências ; descentralizou-se. Num passeio à noite pelo câmpus Darcy Ribeiro, vi erguido, pela primeira vez, o edifício próximo à Faculdade de Tecnologia. O novo prédio se une a tantos outros, planejados ainda nos anos de expansão, que permitem aos institutos expandirem também a própria capacidade de pesquisa e de transformação. Chegou a Ceilândia, Planaltina e Gama.

Muito mais do que lutar por um diploma, qualquer defesa da universidade pública e gratuita se trata da preservação desse legado, dessas vivências ; poder e privilégio de tão poucos em um país cercado de tamanhas desigualdades. É uma rebeldia que está no sangue. De calouro a veterano. Professor ou doutorando. E, no fim, como disse Darcy Ribeiro, o antropólogo que dá nome ao complexo universitário que abraça a Asa Norte: ;Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se
indignar. E eu não vou me resignar nunca;.