No centro da pequena cidade de Olhos D;água, a 100km de Brasília, uma igreja e uma praça. Ao redor, barracas com os mais ricos tipos de artesanatos, que, duas vezes por ano, tomam conta das ruas do pequeno vilarejo de 2.500 habitantes. A Feira do Troca vem resgatando, desde 1974, os fazeres tradicionais da população nativa e criou um canal de escoamento para a produção artesanal.
Por meio do costume tradicional do local, que tinha como forma de comercialização o escambo, um casal de professores de Brasília criou o evento, onde se trocavam roupas, sapatos, utensílios domésticos usados, trazidos de cidades vizinhas por visitantes e curiosos, por produtos do vilarejo, como artesanato e frutos da produção rural local. Em sua 92; edição, que teve início ontem, o evento apresenta uma diversidade cultural singular a aproximadamente 10 mil pessoas que devem passar pela cidade.
Com o tempo, a troca por necessidade foi deixando de existir. Mas, permanece a tradição da troca justa, aquela que interessa e beneficia as duas partes. Hoje, a Feira do Troca se consolidou como grande evento turístico que, além da atividade tradicional de escambo e venda de produtos locais, apresenta ao público uma agenda cultural rica e diversificada, com atrações que preservam a identidade da região.
Pioneira
Maria Araujo da Silva, 87 anos, sempre com um sorriso no rosto mostra simpatia e carinho por Olhos D;água. A mais antiga moradora da cidade é conhecida entre todos como Dona Nega e, pela primeira vez, desde a criação da Feira do Troca, ela não vai expor. ;Vou só passear desta vez. Tudo o que eu fiz, já está trocado;, argumenta. A artesã produzia bonecas de pano feitas com algodão e retalho, confeccionadas exatamente dentro dos costumes mais tradicionais. Cada bonequinha é única e com detalhes diferenciados.
;O artesanato era desvalorizado, a gente não dava muito valor às nossas coisas. Quando trocava, a gente ria e achava que o povo da cidade era bobo, trocando aquelas roupas boas pelas nossas coisas simples. Eu achava que a roupa valia muito mais;, recorda Dona Nega.
Emocionada, ela relata como foi quando a feira começou na cidade. ;Não tinha roupa e calçado aqui, muito menos dinheiro. Então, tudo era trocado mesmo. Só chegava coisa nova para gente. Era bom demais, dava para pegar também panela, ferro de passar, chaleira, de tudo;. Segundo Dona Nega, eram duas festas, pois após o evento, ainda tinha a troca entre os vizinhos. ;A gente aceitava tudo no troca. Se pegava uma roupa que não servia, negociava de novo com os vizinhos. Era muito bom. Era outra festa depois da outra.;
;A família toda era vestida com roupas do troca. Teve uma missa em que todos estavam muito chiques e bonitos. Foi engraçado, porque era tudo do troca;, completa a artesã. Dona Nega conta que, em uma edição, o pai dela conseguiu um terno tão bom que quis guardar para quando fosse velado. ;E usou!”, destaca.
Simplicidade
Quem vê a humildade de Maria de Fátima Dutra Bastos, 60 anos, não imagina que a artesã é premiada e reconhecida na região. Capaz de fazer arte de palhas de fibras, fios, sementes e uma infinidade de materiais, ela também é expositora desde a primeira feira. De pequenos anjinhos, a santos e presépios em tamanho ampliado, Fatinha, como é conhecida, produziu até uma escultura de Nossa Senhora do Menino Jesus, que foi enviada ao papa Francisco, no Vaticano, ano passado. Todo processo é manual, feito com simplicidade e amor, desde a fiação, tingimento e elaboração. Suas obras de arte, graças à Feira do Troca, hoje saem de Olhos d;Água para o mundo.
Para Fatinha, tudo aconteceu de forma genuína. Quando era criança, como não tinha bonecas, aprendeu sozinha a fazer seus próprios brinquedos com fibras de bananeira e palhas de milho. ;Ainda não consigo acreditar que minha simples arte da palha de milho, que comecei quando não tinha com o que brincar, chegou tão longe graças à Feira do Troca. Hoje digo que vale a pena acreditar no trabalho e no que vem de você mesmo, com humildade;, acrescenta.
Com simplicidade, Fatinha mostra o lado empreendedor. ;Nossa economia vem da feira, ela traz renda para as pessoas, aquece o mercado. Seja o restaurante, seja o artesanato, as pousadas e até a pessoa que vende seu cafezinho na rua. No fim, todo mundo fica com um dinheirinho. Isso é muito importante;, ressalta.
Apesar de a feira ter mudado ao longo dos anos, acompanhando a evolução da cidade, ela reconhece que as tradições estão sendo mantidas, para que não perca sua essência. ;O importante é preservar a identidade local, na programação nossas raízes e música regional.;
Gratidão
De pratos decorativos à Frida Kahlo, santinhos a mulheres nuas, Hilda Freire transforma o barro bruto, em peças de extrema delicadeza. A artesã começou como aprendiz fazendo esculturas de palha ajudando em um outro ateliê, mas tinha o sonho de participar da Feira do Troca com seu próprio trabalho. Determinada, decidiu que aprenderia a mexer com barro. ;Foi muito foi difícil. Eu tive que aprender sozinha;, revela.
Apesar de ter uma base das dimensões das bonecas, por causa dos trabalhos com palha, ela teve dificuldades com os detalhes para tornar o trabalho mais delicado. ;Eu queria que tivesse a mãozinha, olhos e sobrancelha, igual a gente. Eu não conseguia fazer isso e queria que ficasse da forma que eu idealizei. Chorei muito e tentei desistir, mas Deus não deixou e sei que foi Ele que segurou nas minhas mãos e me ensinou tudo o que eu sei.;
Dois meses após ter começado a aprender, Hilda realizou seu sonho e expôs suas peças na Feira do Troca. ;O evento mudou a minha vida. Tenho reconhecimento, tenho clientes por causa da feira, que permitiu que outras pessoas conhecessem meu trabalho;, se orgulha.
Hilda ressalta que sua raiz está em Olhos D;água. ;Tudo aconteceu para mim porque eu tive a oportunidade de expor aqui. Foi onde eu pude mostrar minha arte para o mundo. Então, tenho no meu coração que nunca vou deixar de participar da feira, mesmo se um dia eu ficar famosa;, brinca.
O começo
;Foi muito gratificante para nós ajudarmos esse povo e ver o que a Feira do Troca se tornou hoje.; Assim Armando Faria Neves, 82 anos, fundador da feira, ao lado da mulher, Laís Aderne, que faleceu em 2007, define o sentimento ao ver Olhos D;Água fazendo sucesso como uma das maiores feiras do tipo em Goiás.
Laís Aderne e Armando se casaram em Portugal, quando Laís estudava na Europa. Em 1966, voltaram para o Brasil e moraram no Rio de Janeiro, quando a artista plástica foi convidada para ser professora da Universidade de Brasília (UnB) e liderar o Instituto de Artes (IDA) da instituição, e os dois caíram de paraquedas na capital. Armando, um cidadão português com formação em letras e filosofia, logo foi convidado para ser professor também.
Foi por meio de um anúncio de jornal que Armando viu uma chácara à venda em Olhos D;água. Como não sabia o que a palavra significava, ligou para o corretor perguntando que termo era esse. ;Ele (o corretor) ficou insistindo para eu comprar e foi bater lá no Hotel Nacional, onde nós estávamos morando. Eu não tinha dinheiro e fui me irritando com aquela situação. Acabei respondendo para ele: ;Eu não tenho dinheiro, o senhor deve estar querendo que eu pague de pingado;, ele deu um pulo e aceitou. Assim, fomos parar em Olhos D;água;.
Ao chegarem à cidade, Armando conta que ficaram ;chocados; com a pobreza no local. Segundo ele, a comunidade ;não conhecia civilização;, era um mundo esquecido. Muitas pessoas não desfrutavam de utensílios básicos, como mudas de roupas, sapatos, cama, louças, comiam em cuias e com as mãos. ;Quando chegávamos, fechavam as janelas e iam abrindo aos poucos meio desconfiados com a gente. Queríamos ajudar de alguma forma, não com esmola, porque isso não dá dignidade a ninguém;, recorda o professor.
Como a comunidade tinha uma relação com a troca, quando um agricultor, por exemplo, plantava feijão e o vizinho arroz, eles trocavam a mercadoria. O casal, de forma experimental, decidiu implementar o câmbio como uma forma de adquirirem as coisas, além de valorizar o artesanato local passado de pai para filho.
Armando e Laís recolheram então coisas do pessoal de Brasília, como roupas, sapatos, colchão, etc. E levaram para Olhos D;água. Com uma tenda estendida na praça, começaram com a troca aos avessos. Os utensílios eram deixados expostos e, aos poucos, os moradores foram chegando com objetos simples querendo fazer a troca. ;Eles viam algo que achavam interessante e traziam as coisinhas que tinham em casa, como boneca de palha, cabaça, produto de tecelagem. Assim começou a Feira do Troca;. Aos poucos, mais pessoas tiveram acesso aos artesanatos feitos pelos moradores do vilarejo e passaram a querer visitar a cidade.
Vendo que o negócio dava resultado, em dezembro de 1974, o casal lançou a primeira edição da Feira do Troca de Olhos D;água. Hoje, muita coisa mudou, a troca foi substituída pela venda, os mais tradicionais ainda aceitam trocar seus artesanatos por objetos, mas dão muito mais valor ao que produzem.
* Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira
Programação
A 92; Feira do Troca de Olhos D;água apresenta uma riquíssima vitrine do artesanato brasileiro produzido na região de Goiás. Serão mais de 60 expositores com produtos das mais diversas técnicas e matérias-primas:
Hoje
9h30 ; Mostra Infantil Festivalzinho ; Sessão 01 (Salão Paroquial)
10h ; Feira de Artesanato
11h ; Espetáculo Exemplos de Bastião (Grupo Mamulengo Sem Fronteiras)
14h30 ; Mostra Infantil Festivalzinho ; Sessão 02
16h ; Espetáculo Exemplos de Bastião (Grupo Mamulengo Sem Fronteiras)
18h30 ; DJ Dani Verde
19h30 ; Missa na Paróquia de Santo Antônio
20h30 ; DJ Dani Verde
21h ; Exposição Multimídia: Zé é Nobre - A sofistifção do Simples
21h ; Show Gatunos
22h ; DJ Dani Verde
22h30 ; Show O Tarô
23h30 ; Dj Dani Verde
0h ; Show Os Merah
Amanhã
9h ; Missa na Paróquia de Santo Antônio
7h ; Feira do Troca
10h ; Cortejo O Homem dos Passarin e Jabuti-Bumbá
11h ; Espetáculo Maria das Alembranças e a Árvore das Histórias (Luciana Meireles)
13h30 ; Roda Chorinho da Resistência
15h30 ; Roda Samba de Marola
18h ; Encerramento Oficial