O assassinato da professora Debora Tereza Corrêa, 43 anos, pelo ex-companheiro e policial civil Sergio Murilo dos Santos, 51, motivou o governo a repensar as consequências do armamento de servidores das forças de segurança enquadrados em situações de violência contra mulheres. A partir de agora, policiais civis e militares, bombeiros, agentes penitenciários e qualquer outro trabalhador vinculado à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal terão as armas recolhidas caso respondam a inquérito ou processo no âmbito da Lei Maria da Penha.
Sergio enquadrava-se nesse perfil, mas foi mantido o acesso à pistola da corporação, a mesma usada para disparar três tiros contra a servidora, dentro da sede da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro, na 511 Norte. Depois de matá-la, ele usou a arma de trabalho para se matar.
A restrição foi oficializada por meio de decreto assinado ontem pelo governador Ibaneis Rocha. ;Essa é mais uma medida que nós estamos adotando para diminuir os índices de feminicídio no DF;, afirmou. Desde o início do ano, houve 14 casos na capital federal (leia reportagem abaixo). O governador promete, ainda, dar ênfase às campanhas de conscientização para mudar a postura social que contribui para casos de violência de gênero. ;Precisamos mudar, envolver a sociedade civil. Dizem que esse é um crime silencioso, mas não é. Aquela frase ;Na casa do vizinho não se mete a colher; tem de acabar. Assino esse decreto e vou assinar tantos outros que vierem para diminuir a questão do armamento do Distrito Federal;, adiantou.
O texto especifica que caberá ao delegado responsável pelo inquérito comunicar à corporação a qual o denunciado faz parte para que se tome as devidas providências. De acordo com o Executivo local, a medida vale também para as armas pessoais e só será revogada ao fim do processo respondido pelo servidor. Enquanto isso, o acusado deve ser remanejado para uma área administrativa.
A nova regra foi pensada pela Comissão Externa de Combate à Violência contra a Mulher da Câmara dos Deputados, e o pedido, protocolado e encaminhado ao governador pela coordenadora do grupo, a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF). ;As forças policiais do Distrito Federal são formadas de homens de bem, corretos. São pessoas que, todos os dias, saem de casa para proteger a população e não querem os seus nomes ligados a homens que cometem crimes contra mulheres;, argumentou a parlamentar.
O secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, apoiou a determinação. ;É mais uma medida no sentido de preservar vidas. As polícias concordam com isso, e aquele que está com problema, que agrediu, realmente, e que está respondendo por um crime, precisa ficar afastado da arma para evitar mais uma tragédia;, defendeu.
Ainda não há um levantamento de quantos servidores da área estão enquadrados nesse perfil. As forças de segurança têm 10 dias ; a partir da data de publicação do documento no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) ; para fazer essa análise e colocar em prática o decreto. Caso a pessoa que sofra a punição não cumpra a medida, sofrerá um processo administrativo, podendo culminar em demissão.
Próximas ações
Para que a nova medida garanta resultados efetivos, o governo orienta que as corporações forneçam assistência psicológica e psiquiátrica aos profissionais envolvidos em casos de violência doméstica. ;Trata-se de um crime no qual o agressor passa por um trauma e tem uma visão que também precisa ser tratada. Os corpos médicos das policlínicas precisam dar atenção necessária para tirá-los dessa zona de loucura e insensatez;, ressaltou Ibaneis Rocha.
A prioridade de combate ao feminicídio desencadeou o primeiro estudo da Secretaria de Segurança Pública que trouxe o perfil completo de todas as mortes por gênero no DF desde que o crime recebeu a tipificação, em março de 2015. É por meio deste levantamento que o governo embasará ações e estratégias de combate a esse tipo de crime.
Foram contabilizadas 68 mortes até meados de maio deste ano, das quais 91,7% ocorreram em ambiente familiar. Para o secretário Anderson Torres, essa característica limita o poder de polícia; por isso, exige uma ação integrada entre os poderes e as pastas. ;Não é fácil criar políticas públicas que entrem na casa das pessoas, mas é a prioridade. São crimes em que a cultura de uma sociedade moldada no erro se evidencia. Por isso, é preciso uma atitude integrada de Estado, incluindo a educação das novas gerações para quebrar o preconceito;, alegou.
Julgamento em Santa Maria
Até o fechamento desta edição, o julgamento de Alessandro Ferreira Floriano, 48 anos ; réu confesso do assassinato da mulher, Isa Mara Dantas Longuinho Floriano, 51 ; ainda não tinha sido encerrado. A vítima foi morta e teve o corpo incendiado e ocultado pelo marido, com quem era casada havia 18 anos. Parentes e amigos acompanharam a audiência e, do lado de fora do Fórum de Santa Maria, exibiram faixas com frases como ;Somos todos Isa Mara. Queremos justiça;. O crime aconteceu em 19 de janeiro de 2018, após Alessandro empurrar a vítima escada abaixo durante uma discussão.
Memória
Memória
Crime planejado
O policial civil Sergio Murilo chegou ao prédio da Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro, na 511 Norte, em um carro do sistema de transporte por aplicativo. Eram 9h43 quando as câmeras de vigilância do prédio o filmaram apresentando a identidade funcional e passando pelas catracas. Ele estava armado com uma pistola calibre 40, mas não foi revistado. Dali, o agente da Polícia Civil do Distrito Federal seguiu para o terceiro andar, onde a ex-namorada e professora Debora Tereza Correa, 43, trabalhava. Lá, ele se dirigiu à Subsecretaria de Gestão de Pessoas e, na recepção, pediu para falar com Debora. Às 9h45, a vítima apareceu e, ao se virar de costas, Sergio Murilo disparou três vezes contra ela. Em seguida, atirou contra a própria cabeça. Debora enfrentava problemas com o companheiro desde o início do relacionamento, em 2017. Naquele ano, ela registrou uma ocorrência por injúria, ameaça e dano material contra Sergio na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Em agosto passado, uma discussão entre o casal terminou na 13; Delegacia de Polícia (Sobradinho), onde ele trabalhava.