Jornal Correio Braziliense

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Crônica da Cidade

Desvio do FAC 2

Ao decidir desviar o dinheiro do Fundo de Apoio à Cultura para fazer a reforma do Teatro Nacional, o secretário de Cultura e Economia Criativa, Adão Ventura, reitera que os últimos editais do FAC, realizados no governo anterior, em 2018, estão contaminados por um vício de origem, pois desconsideravam o orçamento de 2019.

No entanto, como bem observa o produtor Artur Cavalcante, o secretário quer confiscar o mesmo orçamento inexistente, que considera viciado, para fazer a reforma do Teatro Nacional. Na verdade, só existe um vício de origem e ele está inscrito de maneira muito clara na Lei Orgânica da Cultura do DF: ;É vedado às entidades governamentais o acesso aos recursos do FAC;.

A decisão de Adão Ventura é, portanto, ilegal. Todo o restante é uma tentativa de falsear e confundir. É uma atitude flagrantemente irregular. A intenção de desmontar a estrutura de apoio à cultura do DF fica evidente no fato de que o secretário insiste em dizer que, mesmo com a vinda de novos recursos, não abre mão de se apropriar da verba, segundo ele, inexistente, do FAC.

E também revela-se na constatação de que o novo governo mantém paralisado outro mecanismo de financiamento vital para a cultura brasiliense: a chamada LIC (Lei de Incentivo à Cultura). Ora, um dos objetivos regimentais da LIC é precisamente estimular a ;economia criativa; alardeada no novo nome da secretária de Cultura. E, ainda, porque o GDF vai ajudar a escola de samba de Vila Isabel a captar R$ 4 milhões para fazer um samba-enredo para comemorar o aniversário de Brasília. Afinal, o problema é falta de dinheiro ou é destruir a cultura do DF?

Em mais de 100 dias, o que fez a Secretaria de Cultura do DF? Nada, absolutamente nada. A única ação de ;economia criativa; que conhecemos é a da tentativa de desmontar a estrutura de financiamento existente, provocando o colapso da produção cultural, com desemprego direto de 10 mil produtores e mais 20 mil trabalhadores indiretos. Se não tem competência para apoiar, que pelo menos não atrapalhe.

Agora, no país, parece que se tornou bonito odiar a arte, como se fosse um sinal de sensatez ou lucidez. Mas, essa postura é tola, ignara e covarde, principalmente em uma cidade nascida sob o signo da arte.

Belo é o céu parado dos painéis de Athos Bulcão espalhados pela cidade; belo é ouvir Renato Russo cantando Perdidos no espaço nas retas intermináveis da cidade que estacionam nas nuvens; belos são os jardins de Burle Marx, que compactam o cerrado e a Amazônia em monumentos de concreto; belo é o documentário de Vladimir de Carvalho Paisagem natural, com narrativa conduzida pelos quero-queros; belo é o filme Meu amigo Nieztsche, de Fauston da Silva, premiado em vários festivais internacionais.

Bela é a exposição de fotos sobre teatro e dança de Mila Petrillo, em cartaz no Museu da República; bela é a leveza que Oscar Niemeyer imprime ao concreto; belo é o poema de Nicolas Behr sobre o cerrado; bela é a série de gravuras que Wagner Hermusch fez sobre as noites brasilianas. São eles e elas que nos conferem dignidade.