Tive o privilégio de acompanhar, durante 20 anos, o trabalho de fotografia de Mila Petrillo, na condição de repórter. Desde que chegou ao Correio Braziliense, no início da década de 1980, para fazer a cobertura do caderno de Cultura, as fotos dela eram apreciadas e reverenciadas. Mas, agora, ao serem reunidas na exposição e no livro Atos: as artes cênicas e a dança sob o olhar de Mila Petrillo, percebemos com todo o impacto sensorial que, além de documentos, são arte na acepção mais alta da palavra. Ela é ainda melhor do que imaginávamos.
Essas fotos nos atingem e nos envolvem com a beleza. Mila não faz fotos sobre teatro; ela faz teatro com as fotos. Cria uma atmosfera cênica em movimento. Parece que estamos efetivamente diante de uma encenação ou de uma coreografia vivas. Como bem disse um crítico local na exposição em cartaz no Museu da República, diante das fotos de Mila desaparecem as fronteiras entre cinema, teatro, dança e artes plásticas.
Revela a alma de cada cena, dança ou performance. Amplia o nosso olhar e nos ajuda a perceber que Brasília produziu um movimento cultural vigoroso, que serviu de base para a fundação das artes cênicas e da dança. O privilégio, portanto, não é só individual, mas coletivo de todos os artistas brasilienses e da própria cidade.
Mila é uma entidade da beleza, do otimismo e da afirmação. Mas o interessante é que, apesar disso, ela sempre se esmerou em ser melhor com uma ambição estética de artista. Experimentou, errou, avaliou e fez autocríticas. Utilizou o jornalismo como campo de experimentação técnica e estética.
Ela lança hoje, às 19h, no Museu da República, o livro-catálogo Atos: as artes cênicas e a dança sob o olhar de Mila Petrillo. É um momento de celebração do talento de Mila, do vigor das artes cênicas e dança e da cultura brasiliense. Essa exposição deveria circular por várias capitais brasileiras porque nos orgulha. É a cultura que nos confere dignidade.
Tomo a liberdade de citar trechos do texto que escrevi para o catálogo: ;Se nas fotos da cobertura do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Mila valorizava o enquadramento, a composição do quadro e o jogo de claro e escuro; nas imagens de artes cênicas e dança, ela explora o movimento, a gestualidade dramática, as máscaras faciais, a materialidade do corpo e as reverberações da luz. Ela tem o instinto fulminante da beleza. Fica de tocaia com a máquina na mão à espera de captar a luz que lhe permitirá registrar um instante fugaz de eternidade.
Algumas vezes, as fotos destacam-se pelo enquadramento ou os jogos de luz, sombra e cor, como se fossem cinematizadas. Em outras, apresentam-se com o aspecto de esculturas vivas, na acuidade para captar as curvas, os volumes, as saliências, as reentrâncias, a musculatura e a materialidade do corpo. Ou, então, se revelam quase como pinturas impressionistas, com os corpos se desintegrando nas cores e ganhando a leveza da luz. Ou flagram, a seco, na fisionomia do rosto, o átimo desvelador do estado de espírito do personagens. Ou, ainda, as imagens teatrais dançam como uma pintura em movimento. E o movimento ganha um ritmo de música para os olhos.
As imagens que arranca da cena documentam, enfatizam, sublinham, recortam, amplificam, desdobram, estendem e dramatizam. São imagens vivas que agonizam, gritam, sorriem, sofrem, deslocam-se, pulam, levitam, fecham-se em drama estático, gargalham ou silenciam. Só faltam sair do catálogo e convidar os leitores para tomarem um chope no Beirute;.