Alexsander Assis, 20 anos, dormiu na rua pela sexta vez na vida. Todas, pelo mesmo motivo: tentar uma oportunidade de emprego. ;Eu trouxe uma coberta, um lençol e a coragem. Todas as vezes passo fome e frio, mas preciso de um trabalho fixo para sustentar minha família;, desabafa o morador de Luziânia (GO). O jovem saiu de casa na quinta-feira, às 20h, para conseguir se apresentar na manhã do dia seguinte no setor de Recursos Humanos do Supermercado Vivendas, que construiu uma nova unidade no Parque Marajó, entre Valparaíso e Cidade Ocidental. A empresa buscava 300 candidatos para trabalhar no estabelecimento, com data prevista para inauguração em 7 de junho. Mais de 5 mil apareceram.
A primeira a chegar foi Juliana Silva, 25. Passou mais de 24 horas na fila com uma garrafa de suco, pacotes de biscoitos, um colchão e cinco cobertas. ;Levei mais de uma, porque estava muito frio e eu sabia que tinha gente sem condições que também ia dormir na fila.; Desempregada há dois anos e estudante de um supletivo, ela foi chamada de louca por conhecidos, já que viraria a noite no meio da rua. Ter enfrentado situações em que ela não pôde ter o básico para os filhos foi o que pesou na decisão. ;Sou mãe de uma criança de 9 anos e de um bebê de 1. Teve vez que eles ficaram doentes e nós não pudemos pagar os exames. Como no hospital público não conseguimos, até hoje não sabemos o que eles tinham.;
Moradora da Cidade Ocidental, Juliana vivia em Ceilândia até 2017, mas os aluguéis caros obrigaram a família a se mudar para o Entorno. Além dos dois filhos, a casa abriga a mãe, irmãos e o marido da jovem, único com carteira assinada. Realidade que mudou ontem, já que ela se tornou a primeira contratada do supermercado. ;Os funcionários da empresa chegaram lá de manhã e chamaram os 10 primeiros, que estavam há mais tempo esperando. Aí, fizemos uma entrevista e logo depois já falaram que fomos contratados. Foi lindo, uma felicidade enorme! Minha mãe chorou de alegria;, celebra. Ela ainda não sabe se será operadora de caixa e se ou atuará nos serviços gerais, mas tem certeza de como vai usar o primeiro salário: ;Vou pagar minhas contas que estavam atrasadas;.
Esperança
Cerca de 400 candidatos dormiram ao redor do supermercado, muitos usando até pedaços de madeira abandonados na rua como colchão. Alguns compartilhavam a marmita que levaram para passar as horas de espera. No manhã de ontem, quando começaram as entrevistas, a Polícia Militar de Goiás calculou 4 mil pessoas. Por volta do meio-dia, horário de maior movimento, eram 5 mil à espera de oportunidades.
Munidos de bancos, colchões, guarda-chuvas e garrafas de café, muitos só comeram o lanche que a empresa serviu. Pães, frutas, leites e sucos vinham em caixas encomendadas pelo supermercado e despertavam os poucos sorrisos que apareciam nos rostos. Também foi comum ver quem tentava animar os candidatos exaustos. ;Ânimo, galera! Está acabando;, gritou uma mulher.
;Como vieram muitas pessoas que não podemos contratar, cadastramos em bancos de vagas e ficamos de ligar caso apareça uma oportunidade em outra loja nossa, por exemplo;, explica Thiago Gomes, gerente administrativo do Supermercado Vivendas. O responsável pelo processo seletivo contou que a equipe de seleção também foi reforçada para atender a demanda, com cerca de 50 funcionários trabalhando até as 20h. Os empregos eram para áreas diversas, como de operador, repositor, padeiro, gerente, açougueiro, atendente e outros setores. Por isso, o salário também variava muito, indo do mínimo, de R$ 998, a cerca de R$ 1,2 mil.
;É difícil até para a gente ver uma fila assim, porque é ruim perceber que muitos precisam sustentar a família, mas não tiveram oportunidades de ter um ensino melhor, por exemplo, e não conseguem emprego. Isso mostra o tanto que é importante para um país investir em educação;, opina Thiago. Pessoas com ensino superior completo no currículo também tentavam uma vaga, como Carla Assunção, 45. Formada em biologia, ela está desempregada há três anos e acaba dependendo da remuneração de menor aprendiz do filho, de 18. ;Quando perguntaram minha pretensão salarial eu não quis falar nenhuma, porque o importante agora é ter uma renda, por menor que seja.;
Matheus Henrique Costa, 22, também deseja um emprego fixo, independentemente do salário. ;Posso ser caixa, estoquista, trabalhar na limpeza; Minha esposa trabalha em uma rede de fast-food e temos três filhos, então, as coisas estão bem difíceis;, comentou. O jovem chegou à fila às 5h de ontem e enfrentou o frio e a chuva com suas três crianças.
Outra barreira encarada por candidatos foi a distância. Houve quem saiu do Distrito Federal para a vaga em Valparaíso. ;Eu moro em Santa Maria, mas quero uma oportunidade no DF ou em Goiás. O problema é que a passagem de ônibus de um estado para o outro é cara e as empresas, muitas vezes, não querem contratar um funcionário que reside longe por conta disso, já que eles precisam dar o auxílio-transporte;, lamentou Raquel Soares, 35.
* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer