Jornal Correio Braziliense

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Professora comemora 10 anos do primeiro transplante de coração do DF

Professora aposentada Maria Pia celebra uma década desde que teve a chance de renascer

Dez anos atrás, a professora aposentada Maria Pia, 62 anos, não sabia sequer se continuaria a viver. Olhava o mundo como se não pertencesse mais a ele. Com uma doença rara (leia Para saber mais), ela aguardava, havia um ano e quatro meses, a oportunidade para realizar um transplante de coração, depois de mais de duas décadas convivendo com o problema. Contrariando previsões, frustrações e estatísticas, Maria venceu. Foi a primeira mulher a passar pelo procedimento em Brasília, em 4 de maio de 2009. A história foi acompanhada com exclusividade pelo Correio, depois de uma semana de intensas negociações. Agora, 10 anos depois, ela não tem dúvidas de que pertence a este mundo. Perdeu o medo da morte e carrega consigo a alegria e a gratidão por estar aqui, de novo, inteira.

Pouco antes do transplante, Maria quis ver o mar. Em Fortaleza, olhava as ondas e a areia da praia como se fosse a última vez. Não era. Um ano depois de receber um novo coração, repetiu a viagem. A emoção, então, era outra: a de se sentir um milagre e de ter recebido um presente, uma nova chance. E foi isso que ela e a família celebraram neste fim de semana: a oportunidade de estar viva. Muito viva.

Naquele maio de 2009, quando recebeu um novo coração, Maria vinha de um longo processo de angústia e sofrimento. A miocardiopatia periparto, doença descoberta em 1985, durante uma gravidez, havia se agravado e até as tarefas mais básicas tornavam-se uma batalha. A professora mineira, que veio para Brasília aos 3 anos, nunca soube quase nada do homem de quem ganhou o novo coração.

A idade é a única informação que pôde ter: o rapaz tinha 33 anos. Isso não impede, porém, que reze por ele todas as noites e agradeça à família do doador pela atitude. ;Peço a Deus que os proteja. Essa família permitiu que o milagre acontecesse. Seja quem for, tenho certeza de que eles estão sendo abençoados;, diz.

Com o novo coração, Maria Pia pôde ver os dois filhos se casarem. Com ele, celebrou o nascimento de três netos, sonho que, por algum tempo, pareceu impossível. Também passou a viajar com muito mais frequência. Há 10 anos, entendeu que não há gesto maior de amor do que se doar em favor do outro.

Antes de o transplante se concretizar, foram cinco possibilidades frustradas, cinco vezes em que a esperança tomou conta de Maria e da família, mas se despedaçou. Era difícil acreditar. ;De tantas incertezas, eu perdi as esperanças.; Mas, na sexta vez, o coração, de fato, foi compatível e passou, enfim, pulsar no peito da professora. ;Hoje eu me sinto como um milagre. Por isso, eu falo para quem está na fila não desanimar. Eu estive em uma situação em que só faltava assinar o atestado de óbito e estou aqui hoje.;

A vitória improvável começou cedo. Assim que descobriu a doença, Maria ouviu do médico que, por muito menos, outros pacientes estariam, no mínimo, na UTI. Recebeu tratamento, remédios que, por anos, aplacaram um pouco o sofrimento e retardaram o avanço da enfermidade. Mas chegou o momento em que só o transplante seria capaz de salvá-la.

Enquanto esperava na fila, Maria via colegas que também precisavam do procedimento morrendo. Aos poucos, todos partiam. ;A próxima serei eu;, não havia muito como duvidar disso. Pela lógica, ela seguiria o caminho dos outros pacientes. ;Quando eu acordei da cirurgia e me vi respirando sem ajuda de nada, foi um momento de glória, foi maravilhoso;.

Dádiva

A angústia foi compartilhada com a família. O marido, Francisco Rubens Ribeiro de Albuquerque, 64 anos, esteve sempre ao lado, forte, lutando para manter a companheira de pé por mais muitos anos. Por tudo que passaram, a família comemora o sucesso do procedimento todos os anos. É uma forma de lembrar e celebrar o que consideram ser um milagre, uma dádiva.

;Estar aqui hoje é uma coisa incomparável. A gente vê que tudo é possível desde que você não perca a fé e seja muito perseverante e determinado. Nós nunca descumprimos as orientações dos médicos. A Maria sempre seguiu tudo à risca e eu, ao lado, fazia a minha parte para tê-la bem;, diz Rubens.

No início, a intenção de Maria e de Rubens era esconder o problema de outros familiares. Mas era difícil. Ouvindo conversas, vendo as dificuldades, os filhos Herbert Barbosa Albuquerque, 37, e Herman Barbosa Albuquerque, 34, logo perceberam que havia algum problema. ;Ela tentava blindar a gente, mas, com o tempo, foi ficando evidente. Nós começamos a ligar e percebemos o quão grave era a situação.;

Foi na gravidez do caçula que a doença se manifestou. Herman também teve problemas cardíacos e precisou fazer uma cirurgia na adolescência. A mãe fez de tudo para que ele

fosse curado. ;Ela se dedicou de corpo e alma para ver o meu problema resolvido e eu me recuperei rápido;, lembra. Com o caso do filho resolvido, Maria precisou voltar a atenção ao próprio problema.

Para os dois filhos, não há dúvida de que a recuperação da mãe após o transplante foi uma dádiva, um presente divino. ;A gente sabe que foi realmente um milagre e agradecemos pela benção. Foi uma graça para a nossa mãe, mas também para a família inteira, que pode tê-la aqui conosco.;