Tudo foi minuciosamente preparado para a segunda operação das meninas. Além dos moldes em três dimensões, a equipe do Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB) adotou insumos médicos e uniformes de cores diferentes para identificar as pacientes. Em referência à flor-de-lis, o rosa marcava todos os itens ; desde toucas e estetoscópios a adesivos em seringas de anestesia ; associados a Lis. O amarelo, pela semelhança sonora com o nome de Mel, identificava materiais e profissionais relacionados a ela.
Depois de receberem anestesia geral, as meninas foram posicionadas de bruços, uma de frente para a outra, sobre um molde colocado em duas macas unidas durante a cirurgia. Após a separação, as macas foram afastadas e os trabalhos continuaram individualmente. Líder da enfermagem durante a cirurgia, Carlos Eduardo da Silva auxiliou no processo de escolha do time e falou sobre o comprometimento dos envolvidos. ;Desde o início, sabíamos que seria um desafio. Muita gente estava de férias e veio para compor a equipe. Minha perspectiva é a mesma dois pais: quero que elas fiquem bem;, ressaltou.
A relação de afeto despertada pelas meninas em toda a equipe chamou a atenção. Alguns integrantes chegaram ao hospital por volta das 5h30 de sábado e saíram apenas depois das 2h30 de domingo, após o fim da cirurgia. Em recuperação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HCB até a tarde de ontem, elas respondem bem aos cuidados e seguem sob coma, induzido para auxiliar no descanso do cérebro.
;Estamos tendo um resultado bastante satisfatório até aqui e torcemos sempre pelo melhor;, destacou o cirurgião plástico Ricardo de Lauro, que atua na Ala de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (Hran).
Marco na medicina
No âmbito acadêmico, a operação das gêmeas foi comemorada por docentes da área médica. O cirurgião pediátrico Simônides da Silva Bacelar, da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), destaca que o procedimento é considerado de extrema complexidade. ;Esse tipo de operação é muito rara. Poucos casos aconteceram no Distrito Federal. Nessa, por exemplo, houve prognóstico positivo, já que não houve miscigenação do cérebro;, ressalta.
Com 39 anos de atuação no Hospital Universitário de Brasília (HUB), Simônides conta que viu apenas um caso de gêmeos siameses na unidade de saúde. ;As crianças nasceram com a pélvis ligada, junto com o ânus, por isso, não foi possível realizar cirurgia para separação total, apenas parcial. Nesse caso, a vida dos pacientes corria riscos caso fizéssemos o procedimento;, relata.
Para o professor, ter esse tipo de cirurgia realizada na rede pública de saúde é uma conquista. ;Esse caso é visto com bons olhos. Toda a equipe dos hospitais de Base e da Criança é forte. Essa cirurgia pode ser um exemplo para o país todo.;
Paulo Lassance, cirurgião pediátrico do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) e professor de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), afirma que casos de gêmeos conjugados criam alvoroço por causa da complexidade. ;Independentemente da conexão, é sempre um caso especial, importante e que envolve uma equipe multidisciplinar. Esse caso em específico, por estar associado ao crânio, é considerado uma das grandes malformações;, diz.
;Para nossa área, ter um caso desses na cidade, ainda mais de sucesso, é muito gratificante, ainda mais para o meio acadêmico. Também é importante ressaltar que não precisamos encaminhar o caso para fora do DF;, frisa. Paulo afirma que esse é o terceiro caso que vê de gêmeos siameses no DF.