Alan Rios, Ana Viriato
postado em 26/04/2019 06:00
Dezessete anos após o desfecho do caso Pedrinho, levado ainda recém-nascido da maternidade do Hospital Santa Lúcia, Brasília tornou-se cenário de história similar as do sequestro de maior repercussão no país. Aos 56 anos, a moradora da capital Sueli Gomes da Silva descobriu o paradeiro do filho, levado de seus braços há 38 anos, na porta do Hospital Regional do Gama.
Depois de quase quatro décadas com a esperança de encontrá-lo, a funcionária pública o viu pela primeira vez na última quarta-feira, em uma chamada de vídeo. ;Eu ficava olhando para ele e ele para mim. Foi uma coisa mágica, maravilhosa!”, contou, emocionada. O primeiro encontro cara a cara deve acontecer na próxima semana, em território candango.
Órfã de mãe e abandonada pelo pai com quatro irmãs e um irmão, Sueli morava, à época, em um orfanato localizado em Corumbá de Goiás, a 125km de Brasília. Na instituição, sofreu abusos sexuais e, apesar de reportá-los aos superiores do abrigo, não recebeu ajuda. Em um ambiente de vulnerabilidade, agravado pela dependência financeira, Sueli ficou grávida, em um relacionamento consensual.
[SAIBAMAIS]A maior angústia de sua vida começou em 11 de fevereiro de 1981, dois dias após o parto do filho, que batizaria de Luís Miguel. Com 16 anos, Sueli deixou o centro de saúde ao lado de dois funcionários do orfanato ; um homem e uma mulher. A moça sugeriu que ela fosse ao orelhão mais próximo e ligasse para a proprietária do abrigo, identificada como Marta, para avisá-la. No meio tempo, disse que seguraria o bebê.
Na ligação, a dona do orfanato adotou tom ríspido. Disse que a criança não poderia ficar no abrigo. Quando desligou o telefone e voltou ao ponto de encontro, Sueli viu que a mulher não estava mais com seu filho. Ouviu ordens para que esquecesse do menino e ficasse calada. Sem ter a quem recorrer, ela permaneceu em silêncio e trabalhou no orfanato por mais de 20 anos.
Apenas em 2013, após a morte da dona do orfanato e com liberdade financeira, Sueli tomou coragem para contar a história à polícia, em uma carta escrita a próprio punho. ;Ela já havia sofrido abusos sexuais e passado por muitas dificuldades no abrigo, e resolveu expor isso em um relato pessoal bem emocionado;, diz o responsável pela investigação, o delegado Murilo Freitas, da 14; Delegacia de Polícia (Gama).
Investigação
Ao longo de seis anos, a Polícia Civil investigou 15 pessoas pelo sequestro. ;Em uma análise superficial, percebemos que muitos dos crimes apontados não seriam mais alcançáveis pela lei. Principalmente devido à prescrição penal, pois estamos falando de algo que aconteceu há quase quatro décadas e, também, por conta da morte dos autores intelectuais de toda essa trama;, explicou Murilo Freitas. ;Além disso, o crime ocorreu em uma época em que não havia registros eletrônicos, então, tivemos que acessar muitos arquivos físicos;, acrescentou o delegado.
Entre os suspeitos, estava um porteiro identificado como Rafael. Ele trabalhou no prédio onde morava o médico responsável pelo parto de Luís Miguel. Ao fim de 2018, os policiais souberam do óbito de uma mulher de 71 anos apontada com sua esposa. Em meio a investigação, descobriu-se que ela estava no Gama à época do rapto. Os dois tinham um filho de 38 anos, registrado como Ricardo Santos Araújo.
Como no caso Pedrinho, uma anomalia auxiliou os investigadores no processo de identificação. À Polícia Civil, Sueli contou que o filho havia nascido com sindactilia, condição que deixa os dedos dos pés ou das mãos colados. ;Quando entramos em contato, o rapaz confirmou que nasceu assim e realizou uma cirurgia nas mãos;, detalhou o delegado.
Com todas as coincidências, faltava apenas um exame de DNA para confirmar o caso. O teste ficou pronto na última terça-feira. ;Vi o resultado e fiquei em êxtase! Porque, como foi um processo bem doloroso e longo, cheguei a ficar na dúvida se era ele mesmo, apesar de todas as outras provas. Mas, com o exame, foi só alegria, fiquei ainda mais maravilhada;, comemorou Sueli.
Arquivamento
Os autores do crime não responderão na Justiça pelo sequestro. O inquérito deve ser arquivado por diversas razões. Por exemplo, não se sabe ao certo quem foi a pessoa que levou Luís, quando ele era ainda bebê. Além disso, a pessoa apontada pela apuração como responsável pelo sequestro, a funcionária do abrigo, morreu.
Murilo Freitas explicou que podem ser apontados os crimes de subtração de incapaz e de registro de filho de outro como se fosse próprio. ;Mas existe uma particularidade determinante. Houve uma alteração legislativa em março de 1981. O crime ocorreu um mês antes dela, e a lei não retroage para atingir fatos que não eram criminalizados à época;, comentou.
Encontro
Na primeira conversa após anos de angústia, Sueli descobriu que Luis Miguel, registrado como Ricardo, tornou-se corretor de imóveis e mora na Paraíba. ;É bonito que nem a mãe;, brincou Sueli. Ele está fazendo um curso em João Pessoa. Ontem, ela estava em Goiânia, a trabalho.
Desde 11 de fevereiro de 1981, quando teve o filho tirado de seus braços, Sueli sonhava com a oportunidade de vê-lo. Em alguns momentos, revelou, chegou a desanimar. Mas ;a esperança de mãe não morre nunca;, afirmou. Os dois devem se encontrar, na próxima semana, em Brasília.
Linha do tempo
1981
Com dois dias de vida, em 11 de fevereiro, Luís Miguel é levado dos braços da mãe, Sueli Gomes da Silva, na porta do Hospital Regional do Gama.
2013
Após a morte da dona do orfanato onde Sueli morava, e com liberdade financeira, ela tomou coragem para contar a história à polícia, em uma carta.
2019
Por meio de um exame de DNA, concluído na última terça-feira, a Polícia Civil do DF pôde afirmar que um corretor de imóveis, morador da Paraíba, é o filho de Sueli.