;Nessa feira tem mais nordestino que tempero;, brinca Izabel Passos, 51 anos, que desde 1986 tem no coração uma paixão pelo Distrito Federal. A feirante se dividia entre a capital e a Bahia, até que, em 2005, conseguiu trazer toda a família para o Planalto Central, e hoje moram em São Sebastião, cidade na qual, de acordo com pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), 59,9% dos moradores são nordestinos.
A comerciante veio para o DF com duas irmãs trabalhar com construção civil na fundação do Jardins Mangueiral. Ao fim das obras, temendo o desemprego, foi vender em feiras o tempero que aprendeu a fazer em Barreiras, cidade natal. ;Olha o tempero baiano!”, gritava na entrada de uma feira. Percebendo que o negócio estava fazendo sucesso, resolveu investir. Hoje, proprietária de uma banca na Feira Permanente de São Sebastião, ela procura propagar a cultura nordestina por meio dos produtos que vende.
;Gosto de trazer coisas diferentes e mostrar as experiências dos baianos para quem não conhece;, afirma dona Isabel, que, preocupada em não deixar a cultura nordestina se perder, ficou animada ao saber que o projeto Nordeste Candango vai ressaltar a cultura do sertão no local de trabalho. ;Acho importante as pessoas conhecerem outras culturas e se familiarizarem com elas, é uma interação. Acredito que nas feiras deveriam ter mais coisas assim;, opina.
No repente
Nas próximas semanas, quem estiver passando pelas feiras de São Sebastião, de Santa Maria e do Recanto das Emas terá a oportunidade de acompanhar declamação de poesias, shows e apresentações com a poetisa Lilia Diniz, o grupo Mamulengo Fuzuê, os repentistas Chico de Assis e João Santana e o pessoal da banda Paraibola.
Pensando em resgatar e promover aspectos dos verdadeiros ritmos da cultura popular nordestina, em escolas e feiras livres do DF, Rene Bomfim, integrante do grupo Paraibola, idealizou o projeto Nordeste Candango. ;Tudo começou com o sonho de trazer o repente, o cordel e xilogravura junto com o forró para abrilhantar feiras e escolas no DF;, conta Rene, como gosta de ser chamado.
O baiano ressalta que Brasília tem muito das características nordestinas, apesar de conter, também, mistura de diversas regiões do Brasil. Com o projeto, ele pretende reafirmar os costumes do sertão. Para ele, o mais satisfatório é ver o brilho no olhar das pessoas ao reverem algo que não tinham mais contato ou ao conhecerem algo novo.
;As pessoas ficam encantadas. Para muitas, o que mostramos é novidade, e eu fico muito feliz com isso. Além de mostrar a cultura tradicional, conseguimos resgatar a memória das pessoas, tradições as quais perderam o contato quando saíram do Nordeste. Aqui algumas coisas vão se perdendo, mas quero que os filhos dos nordestinos tenham esse contato e deixem essa cultura viva;, destaca.
Outro ponto positivo para Fábio é a movimentação que o evento vai levar à feira. Segundo ele, hoje em dia, as pessoas passam no local, compram algo e imediatamente vão embora, o projeto Nordeste Candango fará com que os consumidores aproveitem mais os espaço e interajam com outras pessoas. ;Vai chamar a atenção dos outros nordestinos para cá. Em São Sebastião, tem muitos, mas a gente não conhece porque passam por aqui muito rápido.;
O repentista João Santana se apresenta ao lado de Chico de Assis há anos levando a poesia do repente, os ritmos do coco, xote e xaxado, os acordes do forró e a qualidade da canção em uma abordagem eclética de temas na capital. Sempre em parceria com outros grupos, o músico busca sempre levar música e cultura a lugares menos favorecidos.
Integrantes do projeto Nordeste Candango, os amigos têm como principal objetivo levar um contato presencial com tipo de artes da matriz popular que não estão em evidência na sociedade. ;Eu me sinto muito honrado fazer isso. Sinto que estou cumprindo meu papel como artista popular de levar arte ao conhecimento do nosso povo;, conta.
Apesar de ser brasiliense, João cresceu tendo forte influência da cultura nordestina por causa de sua mãe, que é piauiense. Para o evento de domingo, se apresentar em um local com muitos nordestinos o deixa animado. ;A gente espera que seja um bom momento de interação e que possamos criar identificação com o pessoal que vive ali, que possam lembrar e matar a saudade. Além de que a nova geração possa conhecer algo novo.;
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira