Walder Galvão
postado em 22/03/2019 06:00
Responsável por 70% do uso da água do planeta, a agricultura acende o alerta para questões ambientais. O setor provoca a diminuição de rios, redução do lençol freático e contaminação por meio de pesticidas. No Distrito Federal, que tem uma das maiores produtividades de grãos do país, é desconhecido quanto do recurso é usado com exatidão. Mas se sabe que uma alternativa para amenizar os estragos desse consumo é a criação de agroflorestas, meios de produções sustentáveis de menor impacto na questão hídrica.
A Secretaria do Meio Ambiente se mobiliza para instalar o modelo em pequenas propriedades rurais brasilienses. A ideia é substituir ao menos 20 hectares de produção convencional pela iniciativa sustentável. O secretário do Meio Ambiente, José Sarney Filho, explica que a medida não será obrigatória e não há prazo para ser executada. ;Daremos curso de qualificação. O projeto é piloto, se der certo, vamos replicar em outras regiões;, observa.
O programa começará capacitando produtores das regiões das bacias do Descoberto e do Paranoá, responsáveis por cerca de 80% do abastecimento do DF. ;Essa produção (agricultura familiar) é mais vulnerável, pode ser influenciada pela possibilidade de produção sem sustentabilidade;, ressalta Sarney Filho. Ele diz que não serão impostas ações à produção convencional. ;Essa não é nossa maior preocupação sobre recursos hídricos, porque a área é inteiramente segura de regulação. Os principais problemas são grilagens em cima de nascentes e de matas ciliares das bacias;, afirma.
Sustentabilidade
Especialista em recursos hídricos do Instituto Histórico e Geográfico do DF, o ecossociologo Eugênio Gionardidestaca que os impactos da produção agrícola convencional no meio ambiente são grandes. ;O caminho da água subterrânea tem o trajeto natural, que é a formação do planeta Terra. Essas águas estão armazenadas lá embaixo. Quando encontram uma forma de sair, elas criam nascentes. À medida que a gente extrai, o recurso vai se esgotando e impedindo a formação de novos mananciais;, explica.
O estudioso defende a criação de agroflorestas na produção da capital. De acordo com ele, o plantio sustentável é sinônimo de mais recursos hídricos. ;Uma árvore tem 100% de água, quando você a corta, está perdendo. O papel dela é receber a chuva e facilitar a permeabilização no solo. Se transformamos florestas em campos de soja, estamos criando situações mais difíceis ainda para reposição;, ressalta.
O Sítio Semente, em Sobradinho, trabalha com sistema de agroflorestas desde 2004, produzindo de hortaliças a frutíferas. Rômulo Cabral de Araújo, 33, é parceiro da iniciativa e conta que os benefícios de produção são enormes. ;Trabalhamos com sucessão das plantas. A lógica é fazer uma clareira, que abre uma floresta que se renova. Começamos com as produções de ciclo curto, passamos para as de médio e finalizamos pelas árvores de floresta;, explica. ;No lugar de termos escorrimento da água, que leva o solo embora, o nosso tipo de cultivo nunca fica saturado. A água chega ao lençol freático, o que diminui nosso gasto com irrigação;, completa.
Com esse tipo de produção, os produtos têm maior qualidade, por não ter ações de pesticidas e ocorrer de forma natural, destaca o produtor. Ele ressalta ainda que as agroflorestas permitem cultivar diversos tipos de alimentos. ;Sempre ocorre uma transição, e conseguimos aproveitar os insumos. As árvores ocupam o mesmo espaço, em andares diferentes. Usamos plantas nativas e exóticas, que conseguem crescer rápido e produzir biomassa pro solo, que ajuda, por exemplo, no desenvolvimento das hortaliças.;
Fiscalização
Durante o racionamento, que durou do início de 2017 a junho de 2018, a captação de água por produtores rurais foi restringida. Eles só podiam retirar o recurso em horários estabelecidos, alguns substituíram os equipamentos por outros de menor vazão. Agora, com os reservatórios cheios, voltaram a obedecer ao que estava previsto nas suas respectivas outorgas, o tempo que cada um tem de captação.
A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa) informou, por meio de nota oficial, que realiza ações de fiscalização nas áreas rurais e verifica se os usuários têm outorga e se estão cumprindo o estabelecido pelo documento com horários de vazão de captação. O texto ainda destaca que a Adasa realiza ;numerosas campanhas de incentivo ao consumo da água;.
Para o professor Demetrios Christofidis, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB, medir a quantidade de água usada na agricultura é um processo difícil, pois há diferentes maneiras de captação e irrigação, além de fatores climáticos e produções sazonais. Mas ele diz que a capital tem agricultura mais controlada, acompanhada de pesquisas e com tecnologias que diminuem desperdícios. ;O DF e o Entorno têm seguido muito bem o que é necessário para o avanço da biotecnologia e passaram até a usar sementes selecionadas, que diminuem o consumo;, salienta.
O especialista também concorda que as agroflorestas são uma das melhores formas de cultivo sustentável. ;Ela mantém a sintonia com a natureza. Com ela, acontece a cooperação com o meio ambiente, que possibilita oferta de água nas nascentes e que os produtos sejam de qualidade sanitária mais adequada. A população precisa aprender a dar valor a isso. Em outros países, essa realidade é bem mais desenvolvida.;
Águas Lindas ganha parque
O Dia Mundial da Água será celebrado hoje com a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o Governo Federal e os governos do DF e de Goiás. O acordo prevê a proteção e uso racional dos recursos hídricos e incentivo à atividade rural sustentável na bacia hidrográfica do Alto Descoberto. Também será anunciada a criação do Parque Estadual Águas Lindas, que redefine a poligonal da unidade de conservação conhecida como Parque do Descoberto.Criado em 1993, o Dia Mundial da Água visa alertar a população sobre a preservação do recurso para sobrevivência dos ecossistemas do planeta. No mesmo período do ano passado, o Distrito Federal recebeu o Fórum Mundial da Água, evento mais importante para debater questões hídricas do mundo. A edição atraiu 12 chefes de estado, 134 parlamentares e 70 ministros de 56 países.
Três perguntas para
Fernando Leite, presidente da Caesb
Quais obras estão em andamento para manter o abastecimento no DF?
O grande investimento nosso em dedicação e financeiro é Corumbá IV. Temos obras menores, no Gama, mas a estrela da companhia é Corumbá. Estamos dedicando todos os nossos esforços para executar as pendências da obra. Queremos colocá-la em operação o mais rápido possível. Quando chegamos em janeiro, a primeira coisa que fizemos foi entender quais problemas existiam e o motivo de tantos adiamentos. Agora, estamos trabalhando para entregá-la à população.
Quais efeitos o racionamento surtiu no brasiliense e no governo?
Tivemos mudança de hábito. O brasiliense tinha costume de usar muita água, lavar calçadas e carros, sem se preocupar, e isso mudou. Para o governo, ficou a lição muito importante, uma palavra de ordem: racionamento nunca mais. Temos que trabalhar duas frentes, a questão do consumo e a redução de perdas. Hoje, 35% da água produzida não chega a seu destino final. Uma das nossas principais metas é resolver esse problema, que, na maioria dos casos, é causado por ligações clandestinas. Existem também outros problemas que impactam nesse número, como vazamento na rede. Porém, foi estimado cerca de 50 mil ;gatos; no DF.
O que a Caesb fará para diminuir o desperdício de água?
Vamos entrar com o apoio de todas as instituições. Temos determinação do governador, Ibaneis Rocha (MDB), para estudarmos com participação da Codhab (Companhia Habitacional do Distrito Federal) e outros órgãos de controle para que o controle de ligações clandestinas seja equacionado e regularizado o mais rápido possível. Para enfrentar esse problema, temos que buscar a melhor solução. Com isso, trabalhamos para tratar a questão humanitária em primeiro lugar. Mesmo estando em questão irregular, temos crianças, grávidas e idosos que moram usam esse recurso. Vamos ver a melhor maneira de resolver esse problema.
Para saber mais
Corumbá é a prioridade
Por 17 meses, brasilienses enfrentaram período de racionamento, em 2017 e 2018. Os principais reservatórios que abastecem a capital, Descoberto e Santa Maria, atingiram níveis críticos e ficaram abaixo dos 10% e 25%, respectivamente. O GDF passou a investir em obras de captação, como o Lago Paranoá. Agora, aguarda a conclusão da obra de Corumbá IV, que está mais de 90% concluída. Com ela pronta, a expectativa é de que o DF tenha abastecimento garantido para os próximos 30 anos.
A situação das barragens de Brasília é outra. O Descoberto está com 100% da capacidade, enquanto Santa Maria está acima dos 70%. Corumbá IV será responsável pelo abastecimento de regiões do Entorno, e as obras são realizadas e orçadas em parceria com o governo de Goiás. A estimativa era de que R$ 550 milhões, divididos entre Goiás e DF, seriam gastos para a finalização do projeto.
O lucro também será repartido. Inicialmente, metade dos 2,8 mil litros de água por segundo que serão gerados vão para regiões administrativas, e a outra parte para municípios goianos. A expectativa é de que, posteriormente, a captação seja expandida para 5,6 mil litros de água por segundo, o equivalente a 50% do atual abastecimento de todo o DF. A Caesb atribui os atrasos para a entrega da obra à gestão passada. De acordo com a autarquia, havia questões importantes, como fundiárias, a serem resolvidas.