Jornal Correio Braziliense

Cidades

Camelôs atuam à vontade nas feiras dos Importados e dos Goianos

Com bancas montadas em calçadas e nas ruas, ambulantes tiram a clientela dos boxes. Sindivarejista estima que clandestinos sonegam cerca de R$ 100 milhões por ano


Não só os lojistas de shoppings e avenidas comerciais sofrem com a concorrência dos camelôs. A clandestinidade também sufoca microempreendedores legalizados de duas das maiores feiras do Distrito Federal, a dos Importados, no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA), e a dos Goianos, em Taguatinga. O dinheiro que ambulantes ganham com produtos mais baratos, sem garantia, sem emissão de nota fiscal, não resulta em nenhum benefício para o GDF. Os vendedores legalizados pagam, por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). Com essa e outras obrigações, não conseguem competir com os ilegais.

No caso da Feira dos Goianos, a maioria dos ambulantes vem de Goiânia e outras cidades do estado vizinho, às segundas, terças e quartas-feiras, com o carro abarrotado de roupas, sapatos, bolsas e acessórios. Alguns fazem a viagem em grupo, em van ou ônibus. Todos desembarcam em frente ao centro comercial, onde alugam um box ou um dos galpões, para estocar e expor os produtos.

Enquanto o lojista formal paga de R$ 1,5 mil a R$ 4 mil mensais por um espaço na feira ; o preço varia do tamanho e da localização do ponto ;, os forasteiros alugam um box por R$ 100, a diária. A feira tem 8 mil lojas e boxes, sendo que nem todos estão alugados para mensalistas. Os ilegais ainda estendem o comércio a bancas montadas dentro e fora da feira, inclusive nas calçadas e na rua. Sem pagar imposto e funcionário, vendem itens até pela metade do preço dos autônomos formais.

Edilson Leite da Silva, 38 anos, mantém três boxes de confecção feminina e masculina, produzidas em São Paulo, Goiânia e Jaraguá. Por mês, paga R$ 8 mil pelo aluguel de duas lojas e R$ 2,5 mil, por outra. Com sete funcionários, chega a ter R$ 23 mil mensais de despesa. ;Em três galpões, eles (os vendedores goianos) chegam com as mercadorias e se instalam lá dentro. Anunciam em microfones que são os produtos vindos diretos das feiras de Goiânia. O cliente acaba buscando o mais barato, sem saber da procedência do produto;, comentou.

Na frente de duas lojas de Edilson, camelôs também anunciam roupas semelhantes às vendidas por ele. Enquanto o feirante expõe uma camisa masculina por R$ 49, o ambulante vende outra parecida por R$ 25. ;Temos um CNPJ, pagamos impostos das mercadorias, geramos nota fiscal e enfrentamos uma concorrência desleal;, lamentou Edilson.
Locatário de uma loja onde só vende produtos legais, João Tomaz Moreira, 38 anos, também reclama dois prejuízos. ;Sou obrigado a vender essa blusa (feminina) por R$ 20 ou esse short, por R$ 15 para sobreviver, enquanto um preço justo seria R$ 30. A gente precisa de fiscalização.;

Presidente da Associação do Polo de Modas de Taguatinga, que representa os comerciantes da Feira dos Goianos, Almir Lopes é mais comedido. ;Sobre as pessoas que vêm de fora, uma alternativa é buscar junto ao governo uma solução de legalizar esse pessoal;, disse, tomando cautela com a escolha das palavras e pensando no que ia dizer, em entrevista na feira. Almir mencionou que, em gestões passadas, houve tentativa de retirada de ambulantes, mas o presidente chegou a ser ameaçado de morte. ;Por causa da guerra tributária e fiscal, muitas pessoas buscam alternativa de ir para a rua vender os seus produtos;, observou.

Uso da estrutura

Instalada sob uma tenda fora da Feira dos Importados, uma vendedora contou que os produtos revendidos vêm do Paraguai, de Goiânia e de São Paulo. ;Vendo essa caixinha de som (pequena) por R$ 30, mas consigo fazer até R$ 25 nela. Essa outra (maior) é R$ 120;, disse a mulher que trabalha no ponto há dois meses.
Na feira há 15 anos, o libanês Hassan Ahmad, 40, vende produtos eletroeletrônicos, com despesa fixa mensal de R$ 13 mil. ;Pago ICMS, gero nota fiscal, tiro R$ 6 mil de aluguel do box e tenho funcionários comigo. Preciso vender muito para ganhar pouco.;

Diretor administrativo da Feira dos Importados, Ribamar Buzar diz que os ambulantes oferecem produtos similares aos vendidos pelos microempreendedores com preços de 30% até 40% mais barato. ;Vendem mercadorias sem garantia, não geram emprego, não emitem nota fiscal nem pagam encargo. A concorrência é desleal e eles usam a nossa infraestrutura, como banheiros e água, e causam despesa;, destacou.

Presidente da Feira dos Importados, Damião Leite Soares reforçou que 99% dos produtos que entram no centro comercial possuem nota fiscal. ;Hoje, a maior arrecadação de impostos do SIA vem da Feira dos Importados. São 2,1 mil lojas em funcionamento, de 7 a 8 mil funcionários e todos os produtos com emissão de nota fiscal e garantia do fornecedor.;

Área central

Na área central de Brasília, os ambulantes oferecem produtos em tendas, carrinhos de mão e no bagageiro de carros. Vendem de calçados femininos, roupas e bijuterias até mochilas, acessórios para celular e alimentos. Chegam a anunciar os produtos até 40% mais barato do que o praticado no comércio formal. Eles são cerca de 2 mil, segundo o Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista).

Hilton Sousa, 25 anos, é ambulante desde os 15. Morador de Águas Lindas (GO), ele vende vestuário masculino com a mulher, no Setor Comercial Sul (SCS) e na Rodoviária do Plano Piloto. ;Sem curso superior, fica difícil um emprego fichado;, lamentou Hilton. Quando o movimento é bom, ele fatura de R$ 150 a R$ 200 por dia.

Diretora da Associação Brasiliense dos Ambulantes e Autônomos do SCS, Luciana Alves lembrou que existe um projeto para legalizar os vendedores do espaço. ;Hoje, a maioria é MEI (microempreendedor individual), paga INSS e gera nota fiscal. Fizemos um cadastramento e esperamos uma resposta do governo;, defendeu.

Presidente do Sindivarejista, Edson de Castro ressaltou que a maioria dos produtos oferecidos de forma clandestina é pirata. ;Esses vendedores não recolhem impostos quando entram com a mercadoria no DF e, mesmo assim, se instalam na porta das lojas oferecendo mercadoria em média 40% mais barato e gera uma concorrência desleal com quem atua no mercado formal;, destacou. A entidade estima que feirantes e ambulantes sonegam cerca de R$ 100 milhões em impostos por ano.

DF tem 14 mil boxes legais

Há 78 feiras, entre permanentes, livres e populares, além de quatro shoppings populares, no Distrito Federal. São quase 14 mil lojas, que geram mais de 28 mil empregos. Os números são da Subsecretaria de Mobiliário Urbano e Apoio a Cidades da Secretaria Adjunta das Cidades. ;São trabalhadores formais, até porque a grande maioria é microempreendedor individual (MEI). Para se fazer o cadastramento na Secretaria de Cidades precisa ter uma formalização legal;, comentou o titular da pasta, Cleber Monteiro Fernandes. ;São trabalhadores importantes que dão vazão à produção agrícola, geram renda e contribuem para a economia, pois recolhem impostos;, completou.

O Governo do Distrito Federal (GDF) disse fazer abordagens a veículos com mercadorias nas estradas, nas transportadoras e por meio da programação fiscal, que analisa os documentos fiscais destinados às empresas, em busca de irregularidades. Também são feitas abordagens nas feiras. ;A Secretaria de Fazenda realiza operações conjuntas com a Receita Federal, com o objetivo de identificar mercadorias falsificadas ou importadas de forma regular;, destacou o GDF, por meio de nota oficial, sem informar números dessas operações.

O que diz a lei

Contrabando
; Quando a importação do produto não é permitida no país e o indivíduo entra com a mercadoria no Brasil, vindas de fronteiras ou outras localidades do exterior, sem que seja autorizada pela lei. A pena varia de dois a cinco anos de prisão.

Descaminho
; É a mercadoria vinda do exterior e permitida no Brasil, mas a pessoa entra com o produto sem pagar impostos. O crime prevê punição de um a quatro anos de reclusão.

Sonegação fiscal
; É a movimentação do produto dentro do Brasil, mas sem recolhimento de impostos, como ICMS. A pena é de seis meses a dois anos de detenção.

Memória

Pioneiros eram ambulantes

A área de 36 mil metros quadrados onde fica a Feira dos Importados foi vendida à Cooperativa dos Feirantes em 2009 por R$ 47,5 milhões, após 12 anos de ocupação irregular. A área pertencia à Ceasa e a propriedade passou para 2 mil comerciantes que começaram a pagar 120 prestações da compra em agosto de 2009.
Também conhecida como Feira do Paraguai, devido à origem dos produtos vendidos em seu início de operação, é a primeira do Distrito Federal administrada pela iniciativa privada. Até então, os feirantes possuíam apenas a concessão de uso do lugar, não podiam alugar nem vender as bancas. A maioria ganhou o benefício após ser retirado de área pública, como o Setor Comercial Sul, onde trabalhava como ambulante.
A Feira dos Goianos surgiu em 1998. O nome foi escolhido a partir da vinda de alguns ambulantes do estado vizinho. Inicialmente, eles se instalaram em áreas públicas, como próximo ao Conic. Depois, conseguiram espaço no centro comercial. Ao longo do tempo, eles se legalizaram. Outros foram embora.