Mariana Machado
postado em 10/02/2019 08:00
Marcada pelo vaivém de turistas e animação dos comerciantes que vendem desde adereços de cabelo até móveis de decoração, a feira de artesanato da Torre de TV (ou apenas Feirinha da Torre), se aproxima dos 50 anos de história. Muitos dos que hoje ocupam o espaço de boxes pintados de verde e rodeados por jardins, entregue em 2011, estavam nas barraquinhas que configuravam a formação original, no térreo da Torre, desde os anos 1970. Hoje, com o fechamento do mirante para reforma, eles reclamam da queda no movimento.
Na praça de alimentação, centro do espaço comercial, as cozinheiras Márcia Holanda, 49 anos, e Edineia Souza, 47, sentem a diferença. Márcia está na feira há 17 anos, produzindo a receita de tapioca que aprendeu com a avó pernambucana. ;Aqui é um dos pontos turísticos mais visitados de Brasília, mas sem poder subir na Torre, muitas pessoas deixam de vir;, lamenta.
Ela recorda que uma das melhores épocas foi 2014, durante a Copa do Mundo de Futebol. ;Foi bom demais, vinha gente de todo lugar e teve muita festa. Não falávamos o idioma deles, mas não tivemos dificuldade nenhuma;, afirma. Entre risadas, ela rememora os turistas internacionais apontando dedos para o prato que queriam e todos gesticulando para se comunicar.
Edineia chegou há pouco tempo para dividir o box com a colega. Há cerca de dois anos e meio, ela assumiu o lugar da mãe, que foi uma das primeiras baianas do acarajé do lugar. ;Aprendi a receita com a minha mãe e, quando ela faleceu, eu vim para cá. A feira era a vida dela, a coisa de que ela mais gostava. Podia estar doente ou o que fosse, ela vinha. Aqui era como o remédio;, declara.
Com os olhos marejados, lembra que a mãe trabalhou até o último dia de vida. ;Veio em um sábado, conversou com todo mundo, riu, foi tudo igual. No dia seguinte, infelizmente sofreu um infarto e nos deixou. Mas até hoje todo mundo pergunta e sente saudade. Era muito querida;.
Parceria
Amizade e companheirismo é característica marcante dos lojistas. A tecelã Olívia Alves, 65, é prova disso. Sentada com um livro no colo em um box recheado de produtos artesanais, como bonecas de pano e bolsas de crochê, ela cuida também da loja de outra artesã. ;Aqui todo mundo é companheiro. Esse espaço é de uma amiga que foi para a Bahia e me pediu para cuidar. O meu fica do outro lado (da feira). Eu abro a loja, e a vizinha toma conta para mim;, explica. Com a parceria, todo mundo sai ganhando.
[SAIBAMAIS]Dona Olívia trabalha na feirinha há 24 anos, vendendo as redes e panos de prato que fabrica e borda em casa. Apesar de gostar do novo espaço, sente falta da antiga feira, ao pé da Torre. ;Lá era pequeno, ficava todo mundo apertadinho, mas as vendas eram melhores. A concorrência também era bem menor;. Apesar do pouco movimento, ela conta que não pensa em sair de jeito nenhum. Nascida no interior de Goiás, mas criada no sul do Maranhão até os 25 anos, ela aprendeu com a mãe o ofício. ;Depois que minha mãe morreu, eu vim para Brasília. Sempre foi meu sonho conhecer esta cidade, mas me chamavam de doida. Vim parar na feira por amigos que já estavam aqui;.
Com tantos anos de história, lembra, nostálgica, dos colegas que se foram. ;Muitos faleceram, mas essa é a rotina. Aqui passa gente do país inteiro e do mundo todo. Na feira se conhece muita gente e fazemos muitos amigos;, conclui.
Clientela
O lugar não é querido apenas por quem trabalha. Visitantes de todos os cantos se apaixonam diariamente. É o caso da estadunidense Anahata Iradah, de 64. A professora de música morou no início dos anos 2000 em Sobradinho e gostou tanto da feira que a visitava todos os finais de semana. Ela voltou aos Estados Unidos e tirou o mês para passear pelo Brasil com um grupo de estrangeiros fazendo turismo espiritual. A caminho de um retiro no interior de Goiás, o grupo dedicou algumas horas para a feira. ;Eu amo este lugar. Comprei muitos móveis por aqui. Agora está muito diferente e é uma pena ver que está tão vazio. Acho que todo mundo deveria conhecer;.
A amiga dela, a terapeuta canadense Michele Lavin, 67, visita Brasília pela primeira vez e também gostou do que viu. ;No meu país temos coisas parecidas, mercadinhos de produtores locais, mas aqui não há neve, então é muito diferente, mais aconchegante;, pondera. De olho em camisetas, souvenires e artesanatos, a dupla garantiu que não iria embora de mãos abanando.
Mas nem todos os clientes são de fora. Moradora de Sobradinho, a servidora aposentada Dâmares Vieira, 56, aproveitou a manhã de sexta-feira para comprar ímãs para decorar a geladeira de casa. ;Gosto de passear aqui, mesmo sem comprar nada. Às vezes, encontro uma novidade e levo. Além disso, é muito bem localizada. Sempre que alguém de fora me visita, eu trago para conhecer, e eles sempre levam alguma lembrancinha;, comentou.
A estimativa da associação de artesanato da feira da Torre de TV é de que, nos dias mais movimentados (fins de semana), circulem cerca de 5 mil pessoas. No entanto, antes do fechamento do mirante da Torre, esse número era muito maior, alcançando média de 20 mil por dia. O presidente da feira, Jocelio da Silva, pede que a nova gestão do governo ajude, principalmente com iluminação. ;Temos mais de 500 artesãos e a gente precisa de divulgação. Estamos correndo atrás de investimento;.
Obras demoradas
A Torre de TV, inaugurada em 1967, está fechada para reforma desde 2013. Segundo a Novacap, que administra a obra, 70% dos serviços foram executados. O projeto contempla a recuperação das estruturas de concreto, manutenção e recuperação das estruturas metálica, elétrica e hidráulica.
O investimento é de R$ 15 milhões, com previsão de conclusão em julho de 2019. Até o momento, foram pagos cerca de R$ 8 milhões na revitalização.
Serviço
A feira funciona todos os dias, mas os donos dos boxes têm liberdade para escolher os dias que querem abrir.
De sexta a domingo, o movimento é maior.
O horário de funcionamento também é variável, mas a maioria das lojas ficam abertas entre 9h e 18h.