No caso dos matriculados na rede privada, os beneficiados com renda familiar inferior a três salários mínimos ou com bolsas de estudos terão direito ao desconto. O Palácio do Buriti estima uma economia de ao menos R$ 100 milhões anuais com a medida. O DF gastou cerca de R$ 300 milhões no ano passado para garantir passagem grátis a todos os matriculados em instituições de ensino, públicas ou privadas.
Para embasar a mudança impopular, o governo cita regras de outras grandes cidades. Na maioria das capitais, as prefeituras concedem desconto de 50% na tarifa de estudantes ou oferecem passe livre apenas para alunos da rede pública ou bolsistas. O passe livre estudantil representou, em 2018, quase metade das gratuidades no transporte, que chegaram a R$ 600 milhões. O GDF pretende apresentar as normas de outras cidades para justificar as alterações na lei.
Em Belo Horizonte, desde 2011 existe o Meio Passe Estudantil, com descontos de 50%. Só têm direito a ele os beneficiários de programas sociais da Prefeitura ou estudantes de instituições públicas. Em Salvador e em Fortaleza, não há passe livre para estudantes. Quem estiver matriculado em instituições públicas ou privadas de ensino tem direito a desconto de 50% nas passagens. No Rio de janeiro, alunos da rede pública matriculados no ensino fundamental e médio têm passagem grátis. No caso dos universitários, a gratuidade só vale para bolsistas do ProUni, alunos cotistas ou aqueles com renda familiar per capita de até um salário mínimo.
Em Curitiba, há desconto de 50% na passagem para quem tem renda de três a cinco salários mínimos, dependendo do número de filhos com direito ao passe escolar. Em São Paulo, estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública têm direito à gratuidade automática. Os da rede privada contam com a cota de meia tarifa. No ensino superior privado, só beneficiários de programas como ProUni e Fies não pagam passagem na capital paulista.
O Distrito Federal tem o passe livre para estudantes desde 2010, graças a uma lei do então governador José Roberto Arruda (leia Memória). Inicialmente, a proposta previa a inclusão de limitadores sociais, para que a catraca livre valesse apenas para alunos de baixa renda. Mas a CLDF aprovou um substitutivo ampliando a benesse a todos, independentemente das condições sociais.
Reação
Integrante do Movimento Passe Livre (MPL), Leila Saraiva diz que, caso o projeto seja aprovado, haverá retrocesso na mobilidade urbana. ;Há 10 anos, todos os estudantes do DF tinham direito à gratuidade de um terço da passagem. O passe significa direito à educação e deveríamos pensar em ampliá-lo, atendendo, por exemplo, o Entorno. A tendência é de que, com a redução, a taxa de evasão escolar aumente, pois existe um alto índice de alunos que não têm dinheiro para arcar com esses custos;, avaliou. O grupo realizará uma assembleia contra a restrição às 18h de amanhã, na Praça Zumbi dos Palmares, em frente ao Conic.
Diretor da União dos Estudantes Secundaristas do Distrito Federal (UES-DF) e vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) em Brasília, Marcelo Acácio lembra que o passe livre estudantil classifica-se como uma das maiores conquistas dos alunos da capital. ;E não é só de assistência estudantil: é para permitir que os alunos tenham acesso a políticas de cultura e emprego também que, querendo ou não, ficam concentradas no Plano Piloto;, diz. ;Vai além de dar acesso à sala de aula;, completa.
Vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) no DF, Vinícius Paranaguá adiantou que atuará junto aos demais movimentos estudantis e respectivas bases para organizar atos de protesto. ;O transporte no DF é um dos mais caros do Brasil. Se o pai não tiver dinheiro, a criança simplesmente vai ter de parar de estudar;, frisou.
Distritais
Distritais independentes e da oposição ao governador também reagiram rapidamente. Em nota, Fábio Félix (PSol) destacou que a mobilidade urbana é ;um direito social; e afirmou que o projeto de lei ;ataca uma conquista histórica dos estudantes do DF;. ;O GDF caminha na contramão do que deveria ser o ideal: ampliação do benefício, já que o trajeto casa-escola não contempla todas as necessidades dos estudantes, que têm direito ao lazer, à cultura, à cidade;, argumentou.
Professor, o deputado Reginaldo Veras (PDT) destacou um contra-senso no projeto. ;Faltam 8 mil vagas na rede pública, o que obriga estudantes a se matricularem longe de casa. Ou seja, não há acesso à educação próximo à residência e o governo ainda quer cobrar dos mais carentes;, indicou. O parlamentar, entretanto, não fechou as portas para outras alterações. ;Até concordo que quem tem renda alta comprovada possa vir a pagar um percentual;, sinalizou.
Leandro Grass (Rede) emitiu nota à imprensa. ;Se depender de nós, não haverá nenhum retrocesso em relação a isso, especialmente se ele afetar os estudantes mais pobres da nossa cidade;, alegou. Presidente da Câmara Legislativa e correligionário do chefe do Buriti, Rafael Prudente (MDB) afirmou desconhecer o teor do projeto e que, portanto, não poderia se posicionar.
Memória
Lei em vigor há nove anos
A gratuidade para todos os alunos no sistema de transporte do DF nasceu em um ambiente de polêmicas. Em 2006, o então distrital Paulo Tadeu (PT), atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do DF, apresentou projeto de lei que instituía a gratuidade a todos, independentemente da situação financeira. O texto foi aprovado pela CLDF, mas considerado inconstitucional por vício de iniciativa (quando o tema é de competência exclusiva do Executivo).
Em 2009, o governador José Roberto Arruda enviou à casa um projeto que previa a gratuidade para estudantes que morassem a mais de 1km do estabelecimento de ensino. Os distritais propuseram uma série de emendas, boa parte delas vetada por Arruda. O projeto, mais uma vez, foi alvo de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Procuradoria-Geral.
Para dar fim ao impasse, Arruda encaminhou à CLDF outro texto, aprovado pela Câmara e que previa a extensão do benefício a todos os alunos. O governador vetou só uma emenda parlamentar que autorizava o uso do passe em qualquer horário e itinerário fora do escolar. O PL 4.462/2009 foi sancionado em janeiro de 2010 e é válido até hoje.