Uma das vítimas está no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) desde sexta-feira (31/5). Por ter duas fraturas no braço, precisou de atendimento intensivo. Exames de sangue mostraram que a menina também está com anemia. As outras duas vítimas tiveram alta do hospital público de Planaltina de Goiás nesta sexta-feira (31/5) e estão em um abrigo na cidade. A outra irmã também será levada para lá.
Os pais das crianças de 1, 3, 7 e 9 anos têm extensa ficha criminal, tanto antes quanto depois da maioridade. Chefe da 13; Delegacia de Polícia (Sobradinho), o delegado Hudson Maldonado afirmou que, no caso mais recente, eles foram presos na rua. No boletim de ocorrência não havia detalhes sobre o que aconteceria com os filhos do casal.
Em 9 de fevereiro, os pais passaram por audiência de custódia. Na ocasião, a Defensoria Pública e o Ministério Público pediram para que a prisão preventiva fosse convertida em domiciliar para a mãe, por ela ter filhos com menos de 12 anos e estar amamentando. À época, o pedido foi negado, pois a ré e o companheiro estavam em situação de rua. No entanto, na tarde desta sexta-feira (31/5), a juíza de direito Lea Martins Sales Ciarlini acatou a solicitação. A mãe deixará a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, mas deverá cumprir uma série de medidas, sob pena de voltar à prisão.
Falha no sistema
Apesar de a existência das crianças ter sido informada, nenhuma ação do Estado foi movida para assegurar a proteção delas. De acordo com a advogada Renata Malta Vila-Bôas, especialista em direito de família e professora do UniCeub, por ser segmentado, o sistema impediu que a Justiça interviesse na situação dos jovens. ;A juíza da vara que analisa a questão criminal não tem competência para determinar o recolhimento dessas crianças para um abrigo, porque ela não analisa o que vai para a vara civil ou da infância;, explica.
Em outras palavras, ela não pode encaminhar a situação das crianças para a Vara da Infância e da Juventude. ;Existem exceções em que o magistrado atua em casos gerais, especialmente em cidades pequenas, onde há apenas um juiz para tudo, mas, como aqui no DF é segmentado, ele não consegue fazer isso. É uma falha do nosso sistema que deixa as crianças reféns;, avalia Renata Vila-Bôas.
O Correio procurou o Conselho Tutelar de Sobradinho 1, área onde os pais foram presos, e foi informado de que não há nenhuma denúncia ou demanda sobre o caso no órgão. Na Vara da Infância e Juventude tampouco corre processo sobre a tutela ou acolhimento institucional das crianças. A promotora Lenna Luciana Nunes Daher, que acompanhou a audiência de custódia, informou, por meio da assessoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que, no processo, as crianças não apareceram como vítimas e por isso não foi mencionada medida protetiva.
De acordo com o MPDFT, a família não informou em nenhum momento que elas precisariam de encaminhamento ou que estariam em estado de vulnerabilidade. Ao contrário, os próprios pais deram a entender que os jovens teriam alguém para cuidá-las. Por esse motivo, o órgão não acionou o Conselho Tutelar.
Barbárie
O delegado à frente do caso do espancamento dos irmãos, Antônio Humberto Soares Costa relata que, durante o testemunho da tia adolescente, ela teria pegado os sobrinhos na rua, em Sobradinho, e levado para o barraco em que morava, em Planaltina de Goiás. Em vez de acolhimento, o que as crianças receberam, no entanto, foi apenas violência.
Segundo o investigador, a jovem relatou com frieza que era ela quem fazia a maior parte das agressões por ser a tia, mas que o namorado também participava. ;Na noite de terça-feira, a garotinha de 7 anos era o alvo. Ela tentou se esconder sob uma mesa onde havia um lençol estendido e uma televisão. Para tentar fugir, a menina puxava o pano, mas eles deram diversos chutes na cabeça dela;, narrou o policial. Não precisava haver pretexto para tamanha brutalidade.
Com traumatismo craniano, a menina ficou desacordada e os tios fizeram com que ela passasse a noite do lado de fora do barraco, sozinha. ;Horas depois, no dia seguinte, ela começou a passar mal, ter enjoo e convulsões. Chamaram o Samu, mas era tarde demais;, lamenta o delegado. Ele pretende visitar os pais das crianças para entender como elas pararam nas mãos de pessoas tão violentas.
Entenda o caso
Tortura e morte
Na quarta-feira, duas meninas e um menino foram resgatados em Planaltina de Goiás, após serem vítimas de espancamentos dos tios, uma adolescente de 17 anos e Bruno Diocleciano da Silva, de 19. Com fome, uma das irmãs, de 3 anos, pediu ao vizinho que lhe desse comida. Por esse motivo, os tios se irritaram e passaram a espancar os pequenos. Um outro vizinho, ouvindo a gritaria, denunciou a situação à polícia, que acionou o Conselho Tutelar.
Quando os policiais, um conselheiro e uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) finalmente chegaram ao endereço, no Setor Aeroporto do município, uma menina de 7 anos estava morta, ao relento. Os tios haviam dado chutes e usado vergalhão de aço e uma corda para bater na cabeça dela. Bruno foi preso preventivamente e a tia das crianças, apreendida.
Nesta sexta-feira (31/5), a Vara da Infância e da Juventude de Goiás decidiu pela internação da jovem na capital goiana. Bruno vai passar por audiência de custódia, que ainda não tem data marcada.