A oferta de um atendimento rápido e eficaz na rede pública está entre os principais desafios do governador eleito Ibaneis Rocha, delegado ao futuro secretário de Saúde, Osney Okumoto. Mas, para além dos usuais problemas do sistema, o farmacêutico precisará investir em fiscalização e transparência para evitar a repetição do histórico de escândalos de corrupção que envolveram a área de assistência médica do Distrito Federal ao longo dos anos. Por episódios de fraude em processos licitatórios à liberação de recursos em troca de propina, o setor, um dos mais sensíveis da capital, esteve no centro de dezenas de operações policiais que destrincharam esquemas de desvios de cifras milionárias em governos anteriores ao de Rodrigo Rollemberg. (leia Quadro).
Na última quinta-feira, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) deflagrou a Operação Conexão Brasília para apurar a aquisição, em 2013, de órteses e próteses de má qualidade, em quantidades superiores às necessidades da rede pública. De acordo com a força-tarefa de combate à corrupção nos serviços de saúde, a compra deveu-se ao envolvimento de servidores públicos do DF com o esquema de corrupção do governo de Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Na ação, foram presos preventivamente os ex-secretários de Saúde Rafael Barbosa e Elias Miziara.
Segundo a investigação, sob a coordenação do promotor Luis Henrique Ishihara, o contrato para órteses e próteses não teve justificativa legal. Não havia urgência, tanto que os equipamentos comprados passaram anos encaixotados, sem função, como apontou uma auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal.
Com o consentimento dos dois ex-titulares da pasta, o negócio ocorreu a partir da adesão a uma ata de registro de preços da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro, que teve como vencedora a empresa Aga Med Comércio, Representação e Assistência Técnica, segundo o Ministério Público, uma firma de fachada do grupo Oscar Iskin, acusado de ser um dos líderes da corrupção na Saúde do Rio de Janeiro. O prejuízo causado pelo esquema pode chegar a R$ 2,2 bilhões. Trata-se, portanto, de uma exportação para o DF de um megaesquema desbaratado na Operação Lava-Jato.
Secretariado comprometido
Rafael Barbosa e Elias Miziara não são os únicos ex-titulares da pasta com pendências na Justiça. O ex-secretário Joaquim Carlos da Silva tornou-se réu por peculato em 2017 pelo envolvimento em contratos irregulares firmados entre a pasta e a Cruz Vermelha de Petrópolis ; o caso é investigado no âmbito da Operação Genebra.
Segundo o Ministério Público, em benefício da Cruz Vermelha, a cúpula à frente da Secretaria, em 2009, direcionou o edital de chamamento público para a gestão das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de São Sebastião e Recanto das Emas. O MP apontou que o GDF repassou à instituição dois pagamentos, cada um no valor de R$ 1.731.565,40, mas os serviços nunca foram prestados. Duas pessoas foram condenadas em processo conexo ao episódio. Um dos denunciados é o ex-secretário adjunto de Saúde Fernando Antunes, então braço direito do deputado Augusto Carvalho (SD/DF). Ele, no entanto, não foi alvo da operação.
Em 2013, Arnaldo Bernardino Alves, secretário na gestão de Joaquim Roriz, foi condenado por improbidade administrativa. De acordo com as investigações, ele transferiu o médico Alberto Leite do Hospital Regional de Planaltina para um gabinete da Secretaria de Saúde. Contudo, o profissional não cumpria expediente, com o aval de Bernardino.
O ex-comandante da Saúde também respondeu ao Tribunal de Contas do DF (TCDF) pelo uso da máquina pública para beneficiar o Hospital Santa Juliana e a Clínica de Especialidades Médicas Planaltina (Hospital Cemep). Conforme as apurações, Bernardino seria sócio oculto das instituições.
Sobras orçamentárias
A Saúde ainda esteve envolta no maior escândalo de corrupção da capital, desde a Operação Caixa de Pandora. Em 2017, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) tornou réus por corrupção passiva os distritais Bispo Renato Andrade (PR), Celina Leão (PP), Cristiano Araújo (PSD), Julio César (PRB) e Raimundo Ribeiro (MDB), devido à suposta destinação de R$ 30 milhões em sobras orçamentárias a empresas prestadoras de serviços de UTI que mantinham contratos com o governo em troca do recebimento de propina.
Ribeiro, entretanto, conseguiu o arquivamento da ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já Celina Leão teve o mandato como presidente da Câmara Legislativa reduzido. Ela foi afastada do cargo por decisão judicial.
Na primeira instância, respondem pelo mesmo crime o ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves, o ex-secretário executivo da Terceira Secretaria Alexandre Braga e o ex-diretor do Fundo de Saúde Ricardo dos Santos. Os oito são alvos, ainda, de uma ação de improbidade administrativa. O processo tramita na 7; Vara de Fazenda Pública há mais de um ano. O juiz ainda não decidiu se aceita ou rejeita a petição inicial.
Neste ano, além da Operação Conexão Brasília, o MPDFT deflagrou outra investigação de grande porte: a Checkout. Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão em endereços no Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo era investigar fraude à licitação e corrupção na compra de mobiliários para a rede pública, num total de R$ 4,62 milhões, durante a gestão de Agnelo Queiroz (PT).
Operações apontam desvios de dinheiro da saúde
; Operação Genebra
Deflagrada em 22 de junho de 2017, a Operação Genebra investigou irregularidades em contratos firmados entre a Cruz Vermelha de Petrópolis e a Secretaria de Saúde. Os envolvidos, segundo o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), favoreceram a instituição em processo licitatório que escolheu a entidade responsável pela administração das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de São Sebastião e do Recanto das Emas. Os dirigentes da organização teriam recebido cifras milionárias sem nunca ter prestado serviços à pasta.
; Operação Drácon
Maior escândalo de corrupção do Distrito Federal desde a Caixa de Pandora, a Drácon investigou, em 2016, cinco distritais ; Bispo Renato Andrade (PR), Celina Leão (PP), Cristiano Araújo (PSD), Julio César (PRB) e Raimundo Ribeiro (MDB) ; pela destinação de R$ 30 milhões em sobras orçamentárias a empresas prestadoras de serviços de UTI que mantinham contratos com o governo em troca do recebimento de propina. Além deles, foram alvos da ação o ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves, o ex-secretário executivo da Terceira Secretaria Alexandre Braga e o ex-diretor do Fundo de Saúde Ricardo dos Santos. No caso de Ribeiro, o processo foi suspenso por decisão do STJ.
; Operação Checkout
A Operação, deflagrada em junho deste ano, apurou suposta fraude à licitação e corrupção na compra de macas, leitos de hospitais e outros mobiliários para unidades da rede pública. O esquema teria ocorrido em 2014, na gestão de Agnelo Queiroz (PT). De acordo com o MPDFT, o governo destinou R$ 4,62 milhões à aquisição de itens sem justificativa de sua real necessidade, apenas com base em informações genéricas. Uma auditoria do Tribunal de Contas do DF (TCDF) mostrou que, quase dois anos depois das compras, muitos itens ainda estavam encaixotados no depósito da Secretaria de Saúde.
; Operação Higia
Deflagrada em março de 2017, a Operação averiguou a ausência rotineira de médicos na UTI Adulto do Hospital de Base. Segundo as investigações, os profissionais burlavam o cumprimento da escala de serviço e incluíam o lançamento de horas extras excessivas, gerando um total de horas trabalhadas incompatíveis com a realidade. Há registros de médicos que trabalharam 36 horas seguidas, fora os horários regulares de trabalho e os vínculos com outros hospitais. Alguns chegaram a receber até R$ 15 mil apenas em horas extras. As condutas ilícitas teriam ocorrido entre 2013 e 2016.
; Operação Caronte
A Operação, iniciada em 2017, investigou a atuação da Máfia das Funerárias. Conforme o MPDFT, integrantes das associações criminosas capturavam o sistema de comunicação das corporações para obter informações sobre casos de mortes naturais em que o IML deveria recolher os corpos para declaração do óbito. Com os dados em mãos, os criminosos chegavam às casas das famílias antes, passavam-se por funcionários públicos e tentavam convencer aqueles que perderam um parente a contratar o serviço da funerária. Uma das organizações contava com a colaboração de dois funcionários do Hospital Regional de Taguatinga (HRT).
; Operação Trackcare
Em dezembro de 2016, a Polícia Civil e o MPDFT deflagraram a Trackcare para investigar a confecção e o uso de atestados médicos falsos por profissionais da Secretaria de Saúde. As apurações mostraram, por exemplo, que um técnico de enfermagem apresentou 16 atestados e teve 47 abonos duvidosos na folha de ponto. Uma enfermeira, por sua vez, homologou 18 licenças e teve 18 incidências diversas. Apesar disso, conseguiu fazer 402 horas-extras em cinco meses.