Em meio ao barro que tomava conta do quadradinho, onde seria erguida a nova capital, caminhavam trabalhadores e operários que ajudaram a construir Brasília. Os pioneiros começaram a chegar por volta de 1957. Boa parte saía do Norte e do Nordeste e acabava parando no cerrado por diversos motivos: seca, fome e a busca por oportunidade. Um deles era Agostinho Felinto, com 24 anos à época, que chegou em 5 de janeiro de 1959, após oito dias de viagem a bordo de um pau de arara, acompanhado do pai, da mãe e de 11 irmãos. O grupo fugia do sertão paraibano. ;Viemos buscar uma nova chance para viver;, conta Agostinho, hoje com 83 anos.
Ele e mais 43 pioneiros foram homenageados este mês em evento do 62; aniversário da Candangolândia. Durante a comenda, foram distribuídas medalhas e certificados de honra ao mérito pelos serviços prestados à população do Distrito Federal. ;É maravilhoso saber que fiz parte da construção dessa cidade linda. Todo o esforço valeu a pena;, disse Agostinho Felinto.
Ao deixarem seu estado, os futuros pioneiros conheciam Brasília como o ;fim do mundo;, apelido que a capital recebeu das demais unidades da Federação. Adevaldo da Silva, 73 anos, é um dos que ouviram essa versão, em Boa Vista do Tupim (BA). A cidade, onde o comerciante passou a infância, é um pequeno município do sertão baiano, hoje, com pouco mais de 18 mil habitantes. ;Levei 11 dias para chegar ao ;fim do mundo;. No caminho, peguei carona, pau-de-arara e ônibus. O importante era chegar;, lembra o pioneiro. Adevaldo chegou a Brasília em 23 de março de 1959, com 14 anos, acompanhado do cunhado.
Quando Agostinho e Adevaldo pisaram no Planalto Central pela primeira vez, a construção estava a todo vapor. ;As jornadas de trabalho eram pesadas. Eu trabalhava quase de sol a sol;, disse Agostinho. O paraibano fazia parte de uma empresa que desenvolvia escadas, elevadores e outros itens para a cidade em construção. ;Éramos 22 mil funcionários por todo o Brasil. Minha filial era aqui mesmo, em Brasília. Tirando dinheiro, nós fazíamos todo tipo de coisa;, brinca Agostinho.
Os rapazes passavam o dia nos canteiros de obras. O grande desafio eram os dormitórios. Os locais de repouso ficavam espalhados pelas regiões, onde, hoje, ficam a Candagolândia e o Núcleo Bandeirante que, à época, era denominado Cidade Livre. Os pontos, posteriormente, ficaram conhecidos como cidades-dormitórios. Até hoje, são os locais onde reside boa parte dos operários da construção da nova capital. ;Normalmente, eram 200 homens em cada dormitório. Só havia homens, era um caos;, lembra Adevaldo.
Durante o dia, não faltava trabalho, enquanto Brasília era erguida. Em compensação, à noite, as opções de diversão eram escassas. Motivo que levou o baiano Adevaldo a entrar para o ramo do comércio. ;Montei o primeiro bar e pensão da Candangolândia, que se chamava Bar e Mercearia Caratinga. Durante o dia, produzia a comida que levava para os locais de obra e, ao cair da noite, os trabalhadores vinham beber;, revela o pioneiro. Além dos bares, existiam dois cinemas de rua: Cine Bandeirantes e Cine Brasília, também conhecido como Caixa D;Água, devido ao formato circular da edificação, instalada entre as quadras 106 e 107 Sul.
Agostinho Felinto trabalhou em uma das empresas que abasteciam as peças e os equipamentos dos edifícios. ;Lembro que vinham de todos os cantos do Brasil os equipamentos e parte do que usamos na construção. Era tudo muito pesado e nós carregamos de um lado para outro até ficar como é hoje;, afirma.
Da geração posterior
Na nova leva de candangos que chegou à capital, estava a adolescente Darcy de Carvalho, 14 anos. Hoje com 70, ela lembra a aventura que viveu ao buscar abrigo em Brasília. A história começa após a jovem fugir da família, que morava em Goiás Velho (GO). No ônibus para a capital, conheceu seu marido. O rapaz, 12 anos mais velho que Darcy, se tornou o cozinheiro do então presidente João Goulart. Darcy chegou a morar no Palácio da Alvorada. ;Os operários pioneiros passaram por muita coisa. Eles trabalhavam muito. Tive sorte em ter uma vida de princesa;, relata.
O conto de fadas de Darcy não durou muito; Chegou ao fim em 1964, quando os militares assumiram o poder. Acusada de ser comunista, a jovem chegou a ser torturada. ;Eles afogavam a minha cabeça dentro de baldes d;água, enquanto meu marido ficou preso por oito dias;, conta. Com a mudança do regime de governo, Darcy perdeu tudo. A casa onde o casal vivia, na Granja do Torto, foi tomada pelos militares e ela precisou buscar moradia onde hoje é a Candangolândia.