Quem nunca olhou um cardápio, ficou com água na boca e, quando o prato chegou, ficou totalmente decepcionado? Ou viu uma roupa com caimento perfeito num catálogo, mas, quando a recebeu, ela não tinha nada a ver com a imagem divulgada? Ou, ainda, assistiu a um comercial na tevê e se encantou com um produto, apenas para se desiludir ao comprá-lo? Esse tipo de frustração associada à publicidade é bastante comum no dia a dia dos consumidores. Apesar de frequente, não deixa de ser errada. Induzir o cliente ao erro ou enganá-lo é prática condenada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
As estratégias publicitárias datam dos primórdios da humanidade. Segundo evidências encontradas por historiadores, os antigos egípcios lançavam mão de artimanhas para atrair o público e divulgar mercadorias. Na antiguidade, papiros se transformavam em cartazes e, de lá para cá, a atividade, antes intuitiva, ganhou novos ares e é instrumento de estudos e item indispensável no planejamento estratégico das empresas.
Uma boa tática publicitária é capaz de atrair milhares de adeptos à marca e colocá-la à frente da concorrência. Então, cada detalhe é pensado para conquistar o público: a cor da embalagem, o bordão, o jingle que gruda na mente como chiclete... É claro que uma propaganda nunca destacará os atributos negativos de uma mercadoria, mas é preciso saber equilibrar e não maquiar a realidade na tentativa de chamar a atenção do consumidor. O CDC tem uma seção específica para tratar a publicidade. Os artigos 36 e 37 esclarecem quando a prática se torna excessiva. Existem dois tipos de ilicitudes: a publicidade enganosa e a abusiva.
Representante da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), Livia Coelho explica a diferença. “A publicidade abusiva é a que incita à violência, explora o medo ou a superstição, se aproveita da deficiência de julgamento e da inexperiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à própria saúde ou segurança”, observa. Mais comumente, o consumidor se depara com a publicidade enganosa. “É bem comum conhecermos um produto por meio de um encarte e, pessoalmente, percebermos que ele não é como o que está na foto. Não há necessidade de o consumidor ser enganado para a configuração da publicidade enganosa. A mera possibilidade de induzir o consumidor a erro já caracteriza a ilicitude. Basta um dos sentidos da publicidade ser enganoso. Basta a potencialidade de indução a erro”, explica Livia.
Em compras mediadas pela internet, é ainda mais fácil que a compra resulte em frustração, pois o cliente não tem contato com o produto e acredita na boa-fé do fornecedor. Maria Aparecida Gomes, 36 anos, comprou um par de óculos na loja virtual de uma ótica. O item escolhido trazia todas as informações de procedência, uma famosa marca americana, que inclusive, tem alto valor de mercado. Quando recebeu a encomenda em casa, a cliente percebeu que os óculos eram falsificados. “Eu observei as características descritas pelo fornecedor e todas batiam com os originais, acreditei porque me parecia uma loja responsável. Pedi, mas quando chegaram, eu notei que a qualidade era inferior a de outros óculos da marca que eu já tinha, estava nítido que eram falsificados”, conta a dona de casa.
Regras éticas
A persuasão é elemento fundamental em peças publicitárias, o fornecedor tenta conquistar o cliente a partir de um breve período de atenção. Por isso, muitas vezes, as empresas acabam caindo no exagero e, isso pode ser considerado abusivo. Hector Valverde Santana, professor de direito do consumidor do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), esclarece que a prática ilícita é observada nesses casos. “Por exemplo, em uma foto em que o prato de comida tem uma dimensão maior e uma qualidade melhor do que a entregue, existe ilicitude. A publicidade não pode propagar conteúdo falso, ela deve se basear na boa-fé objetiva.” O professor afirma que os anúncios comerciais devem levar em consideração as condições do seu receptor. “A prática não pode se aproveitar da hipervulnerabilidade do consumidor, como no caso de crianças e idosos. Mesmo que persuasiva, não pode incitar no consumidor ações que naturalmente ele não teria. Também não deve ter caráter discriminatório de qualquer espécie”, elucida.
Penalidades
O artigo 67 do CDC prevê detenção de três meses a um ano e multa a quem fizer ou promover “publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”. Hector esclarece que a responsabilização pode ocorrer em três esferas distintas. A administrativa é exercida pelos órgãos de defesa do consumidor. “O Procon (Instituto de Defesa do Consumidor) pode impor a contrapropaganda: nesses casos, a empresa deve fazer um anúncio que retrate o anterior com conteúdo ilícito. Isso deve ser feito nos mesmos moldes da publicidade que foi considerada abusiva, usando os mesmos meios e horário para que atinja o mesmo público.” Ao fornecedor também podem ser imputadas sanções civil e penal. Na primeira, um juiz pode proibir a promoção da publicidade e estipular indenizações.
“Na esfera cível, o fornecedor pode sofrer o que chamamos de tutela inibitória e ser proibido de veicular o material publicitário, além de determinar indenização em casos que se comprove o dano moral e material do consumidor”, afirma o professor. Outra possibilidade descrita no CDC é o apenamento de reclusão. O direito à reclamação e a pedidos judiciais pertence a todos aqueles atingidos pelo conteúdo publicitário. É o que prevê o CDC, quando dispõe sobre o consumidor potencial ou difuso. “Existe o consumidor padrão, que é aquele que, de fato, adquire um bem ou serviço, e também, há o consumidor equiparado, que não é o adquirente, mas está exposto às práticas comerciais. O código, então, confere a mesma proteção jurídica às duas espécies de consumidor”, conclui Hector.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Paula Lisboa